ORAÇÃO ⁜ SALMO DA BÍBLIA № 79 | ||
§ 79:1 | Ơ Ó Deus, as nações invadiram a tua herança; contaminaram o teu santo templo; reduziram Jerusalém a ruínas. | |
§ 79:2 | Ɗ Deram os cadáveres dos teus servos como pastos às aves dos céus, e a carne dos teus santos aos animais da terra. | |
§ 79:3 | Ɗ Derramaram o sangue deles como água ao redor de Jerusalém, e não houve quem os sepultasse. | |
§ 79:4 | ᶊ Somos feitos o opróbrio dos nossos vizinhos, o escárnio e a zombaria dos que estão em redor de nós. | |
§ 79:5 | Ɑ Até quando, Senhor? Indignar-te-ás para sempre? Arderá o teu zelo como fogo? | |
§ 79:6 | Ɗ Derrama o teu furor sobre as nações que não te conhecem, e sobre os reinos que não invocam o teu nome; | |
§ 79:7 | ᵽ porque eles devoraram a Jacó, e assolaram a sua morada. | |
§ 79:8 | Ɲ Não te lembres contra nós das iniqüidades de nossos pais; venha depressa ao nosso encontro a tua compaixão, pois estamos muito abatidos. | |
§ 79:9 | Ɑ Ajuda-nos, ó Deus da nossa salvação, pela glória do teu nome; livra-nos, e perdoa os nossos pecados, por amor do teu nome. | |
§ 79:10 | Ꝓ Por que diriam as nações: Onde está o seu Deus? Torne-se manifesta entre as nações, à nossa vista, a vingança do sangue derramado dos teus servos. | |
§ 79:11 | Ƈ Chegue à tua presença o gemido dos presos; segundo a grandeza do teu braço, preserva aqueles que estão condenados à morte. | |
§ 79:12 | ⱻ E aos nossos vizinhos, deita-lhes no regaço, setuplicadamente, a injúria com que te injuriaram, Senhor. | |
§ 79:13 | Ɑ Assim nós, teu povo ovelhas de teu pasto, te louvaremos eternamente; de geração em geração publicaremos os teus louvores. | |
O SALMO 79 | ||
SERMÃO 💬 | ||
§ 1 | 1 Este salmo não apresenta muitas questões difíceis de explicar, nem que impeçam os ouvintes atentos de entender. Por isto, com o auxílio do Senhor, ouçamos e vejamos o que foi profetizado e predito, como alguns instruídos na escola de Cristo, e passemos ligeiramente por aquilo que é claro, de tal modo que se algumas coisas talvez obscuras exijam interpretação, as claras reclamem de mim apenas uma leitura. Cantam-se aqui a vinda de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e sua vinha. Mas canta aquele Asaf que está, parece, iluminado e emendado; seu nome, como sabeis, significa assembléia. Enfim, o título do salmo é: “Para o fim. Por aqueles que serão mudados”. Trata-se, de fato, em mudança para melhor, porque Cristo, fim da Lei (cf Rm 10,4) veio, para tran-formar tudo em melhor. E acrescenta o salmista: “Testemunho de Asaf”, bom testemunho à verdade. Este testemunho confessa Cristo e sua vinha, a saber, a Cabeça e o corpo, o rei e o povo, o pastor e o rebanho, e o mistério total de Cristo nas Escrituras e a Igreja. O título do salmo conclui-se deste modo: “Em favor dos assírios”. A tradução de assírios é: dirigentes. Por conseguinte, não seja uma geração que não tem o coração reto (cf Sl 77,8), mas geração já bem orientada. Agora, ouçamos como reza este testemunho. | |
§ 2 | 2 “Pastor de israel, atende”. Como interpretar: “Pastor de Israel, atende. Conduzes a José como um rebanho?” É invocado para que venha, é esperado para que venha, é desejado para que venha. Por conseguinte, ele encontre dirigentes: “Conduzes José, como um rebanho”. O próprio José é como ovelhas. José é um rebanho, José é uma ovelha. Ao ouvires falar em José, embora a interpretação de seu nome muito ajude, pois significa aumento, e na verdade, ele surgiu para que o grão que morrera brotasse multiplicado (cf Jo 12,25), isto é, crescesse o povo de Deus, no entanto, por aquilo que sabeis que tinha acontecido a José — recordai que foi vendido pelos irmãos, foi injuriado, foi exaltado entre os estrangeiros (cf Gn 37,28; 41,40) — entendereis a qual rebanho devemos pertencer, juntamente com aqueles que têm o coração reto, a fim de que a pedra que os construtores rejeitaram se torne a pedra angular (cf Mt 21,42; Sl 117,22), que sustenta as duas paredes, vindas de direções opostas, mas unidas no ângulo. “Tens o trono sobre os querubins”. Os querubins são o trono da glória de Deus, e traduzem-se por plenitude da ciência. O trono de Deus é a plenitude da ciência. Embora os querubins sejam sublimes poderes e virtudes dos céus, se queres, podes tornar-te querubim. Se o querubim é o trono de Deus, ouve o que diz a Escritura: “A alma do justo é o trono da sabedoria” (Sb 7). Como, dizes, poderei ser a plenitude da ciência? Quem pode realizar isto? Tens como fazê-lo: “A caridade é a plenitude da Lei” (Rm 13,10). Não andes por muitos lados, não te disperses. Atemoriza-te a expansão dos ramos; segura-te à raiz, e não penses no tamanho da árvore. Haja caridade em ti, e necessariamente se seguirá a plenitude da ciência. Pois o que ignora quem conhece a caridade, uma vez que foi dito: “Deus é amor”? (1 Cor 4,8). | |
§ 3 | 3 “Tens o trono sobre os querubins. Manifesta-te”. Nós errávamos porque não te manifestavas. “Ante Efraim, Benjamim e Manassés”. Manifesta-te diante dos judeus, diante do povo de Israel: ali se encontra Efraim, Manassés e Benjamim. Mas vejamos a interpretação desses nomes. Efraim quer dizer frutificação; Benjamim, filho da direita; Manassés, esquecido. Aparece, pois, diante do fruto, diante do filho da direita, aparece diante do que foi esquecido a fim de que não seja mais esquecido; mas que se lembre aquele que livraste. Pois, se são relembrados os povos, e todos os confins da terra hão de se converter ao Senhor (cf Sl 21,28), o povo originário de Abraão não teria uma parede, que se unirá com alegria no ângulo, se foi escrito: “O resto será salvo”? (Rm 9,27). “Desperta teu poder”. Com efeito, eras fraco quando se dizia: “Se é Filho de Deus, desça da cruz” (Mt 27,40). Aparentemente nada podias. O perseguidor prevaleceu contra ti, e isto foi demonstrado previamente, pois Jacó prevaleceu na luta, um homem contra um anjo. Quando se faria isto, se o anjo não quisesse? O homem prevaleceu e o anjo foi vencido. E o homem vencedor agarrou o anjo e disse: “Eu não te deixarei se não me abençoares” (Gn 32,26.28.25). Grande mistério! É vencido e abençoa o vencedor. Vencido porque quis. Fraco segundo a carne, forte em sua majestade. E o abençoou: “Chamar-te-ás Israel”. Tocou, contudo, o tendão da coxa e esta secou. E o anjo fez dele um homem bendito e coxo. Vês como o povo judaico claudicou; vê entre eles como é abençoada a raça dos apóstolos. Portanto, “desperta teu poder”. Até quando parecerás fraco? Crucificado segundo a fraqueza, ressuscitado pelo seu poder: “Desperta teu poder e vem salvar-nos”. | |
§ 4 | 4 “Converte-nos, ó Deus”. Voltamos-te as costas e se tu não nos convertes, não nos converteremos. “Mostra-nos a luz de tua face e seremos salvos”. Por acaso ele tem a face no escuro? Não tem a face escura, mas pôs na sua frente a nuvem da carne, como um véu de fraqueza. Não foi reconhecido quando pendia da cruz, mas o foi quando sentado no céu. Pois, assim se fez. Asaf não conheceu a Cristo presente na terra e ao fazer milagres; no entanto, depois de morto, depois que ressuscitou e subiu ao céu, ele o reconheceu e se arrependeu. Teria dito a respeito dele todo esse testemunho que reconhecemos neste salmo: “Mostra-nos a luz de tua face e seremos salvos”. Velaste a tua face e ficamos doentes; mostra-nos tua luz e seremos alvos. | |
§ 5 | 5 “Senhor, Deus dos exércitos, até quando estarás irritado contra o teu servo a orar?” Já é a oração “de teu servo”. Tu te iravas contra a oração de teu inimigo, e ainda te irritas contra a oração de teu servo! De tal modo te irritarás: como pai que corrige e não como juiz que condena. Tu te irritarás, certamente, porque está escrito: “Filho, se te dedicares a servir ao Senhor, prepara-te para a prova” (Eclo 2,1). Não penses que a ira de Deus já passou, uma vez que te converteste; passa, mas para não te condenar eternamente. Castiga, porém, não poupa, porque castiga todo filho que acolhe (cf Hb 12,6). Se recusas o castigo, por que desejas ser acolhido? Ele castiga todo filho que acolhe; castiga todo filho, ele que não poupou seu Unigênito. Contudo, “até quando estarás irritado contra teu servo a orar”, que já não é teu inimigo; mas “estás irritado contra teu servo a orar”. Até quando? | |
§ 6 | 6 Segue-se: “Nutrir-nos-ás com pão de lágrimas e dar-nos-ás a beber lágrimas com medida”. Que quer dizer: “com medida?” Escuta o que diz o Apóstolo: “Deus é fiel; não permitirá que sejais tentados acima das vossas forças” (1 Cor 10,13). Tal é a medida: as tuas forças; em tal medida, para seres instruído e não para seres oprimido. | |
§ 7 | 7 “Puseste-nos como alvo de contradição para nossos vizinhos”. Efetivamente, assim aconteceu; pois do meio de Asaf foram escolhidos alguns para irem aos gentios, pregarem a Cristo, e ouvirem a réplica: Quem é este pregador de novas divindades? (cf At 17,18). “Puseste-nos como alvo de contradição para nossos vizinhos”. Pregavam aquele que era alvo de contradição. A quem pregavam? Cristo que morrera e ressuscitara. Quem pode ouvir isto? Quem o sabia? Coisa inteiramente nova! Mas seguiam-se os milagres, e estes sinais davam crédito a um fato incrível. Eles eram alvo de contradição, mas o contraditor era vencido, e transformava-se de contraditor em fiel. Ali, contudo, era intenso o fogo; ali os mártires eram alimentados com o pão das lágrimas e dessendentados com lágrimas, porém medidas, e não mais do que podiam suportar, a fim de que após estas lágrimas comedidas seguisse a coroa de alegria. “E nossos inimigos zombaram de nós”. Onde estão os que zombaram? Por muito tempo se dizia: Quem são estes que adoram um morto, adoram um crucificado? Por muito tempo assim se falou. Onde estão os que torciam o nariz, zombando? Acaso agora os que censuravam não fogem para as cavernas, para não serem vistos? “E nossos inimigos zombaram de nós”. | |
§ 8 | 8.9 Mas vede como prossegue o salmista: “Converte-nos, ó Senhor, Deus dos exércitos. Mostra-nos a luz da tua face e seremos salvos. Transportaste do Egito uma vinha. Expulsaste as nações para replantá-la”. Conhecemos o fato. Quantos povos foram derrubados! Amorreus, ceteus, jebuseus, gergeseus e heveus. Depois que foram expulsos e vencidos, foi introduzido na terra da promissão o povo libertado do Egito. Ouvimos de onde foi retirada a vinha e onde foi replantada. Vejamos o que aconteceu em seguida; como acreditaram, em que medida se multiplicaram, que terra ocuparam. “Transportaste do Egito uma vinha; Expulsaste as nações para replantá-la”. | |
§ 9 | 10.12 “Preparaste-lhe o caminho, lançou raízes e espalhou-se pela terra”. Porventura encheria a terra se não lhe preparasses um caminho? Que caminho lhe preparaste? Diz o Senhor: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6). Com razão encheu a terra. Agora se afirmou isto da vinha, mas isto se completará, até o fim. Todavia, o que aconteceu primeiro? “Cobriram-se os montes com a sua sombra e seus arbustos ensombraram os cedros de Deus. Estendeu seus ramos até o mar, e até o rio os seus rebentos”. Aqui um expositor deve entrar em ação; não bastam um leitor e um panegirista. Ajudai-me com a vossa atenção. Pois costuma a menção desta vinha do presente salmo causar confusão nos menos atentos. Com efeito, já explicamos o tamanho desta vinha. Foi predito de onde foi tirada, e como cresceu. “Preparaste-lhe caminho, lançou raízes e espalhou-se pela terra”. Trata-se de seu estado perfeito. Mas, a nação judaica anteriormente foi esta vinha. O povo judaico reinou até o mar e até o rio. Até o mar: revela a Escritura que o mar lhe era vizinho (Nm 34,5). E até o rio Jordão. Além do Jordão havia alguns judeus; mas aquém do Jordão estava todo o povo. Portanto, “até o mar e até o rio” o reino judaico, o reino de Israel. Todavia, não era “de um a outro mar, nem desde o rio até os confins da terra” (Sl 71,8). Isto já seria a vinha completa, aqui predita: “Preparaste-lhe o caminho, lançou raízes e espalhou-se pela terra”. Tendo predito a sua perfeição, o salmista volta ao início, de onde se originou o estado perfeito. Queres ouvir o início? “Até o mar e até o rio”. Queres ouvir qual o fim? “Dominará de um a outro mar, e desde o rio até os confins da terra”. Isto é: “espalhou-se pela terra”. Vejamos, então, o testemunho de Asaf, o que sucedeu à primeira vinha, o que se espera da segunda, ou melhor, da mesma vinha. Pois, é a mesma, não outra. Dela se origina Cristo, salvação vinda dos judeus, dela os apóstolos, dela os primeiros fiéis, que depositavam aos pés dos apóstolos o preço de seus bens; daí vem tudo isso (cf Jo 4,22; At 2,45; 4,35). E se alguns ramos foram quebrados, “foram cortados pela incredulidade. Tu, porém, povo gentio, fica firme na fé. Não te ensoberbeças, mas teme, porque se Deus não poupou os ramos naturais, nem a ti poupará. E se te vanglorias, saibas que não és tu que sustentas a raiz, mas a raiz sustenta a ti” (Rm 11,18-21). Que era então anteriormente a vinha, a quem Deus preparou o caminho para se espalhar pela terra? “Cobriram-se os montes com a sua sombra”. Quais são esses montes? Os profetas. Por que sua sombra os encobriu? Porque os profetas falaram obscuramente prenúncios do futuro. Ouves os profetas ordenarem: observa o sábado, circuncida os meninos ao oitavo dia, oferece sacrifícios de carneiros, novilhos, bodes. Não te espantes. Estas sombras encobrem os montes de Deus. Após a sombra vem a manifestação. “E seus arbustos ensombraram os cedros de Deus”, isto é, ensombraram cedros de Deus, altíssimos, mas de Deus. Pois, os cedros representam os soberbos que hão de ser derrubados. Cedros do Líbano, as grandezas deste mundo, foram ensombradas por tal vinha, ao crescer; e montes de Deus são todos os santos profetas, os patriarcas. | |
§ 10 | 13 Mas, até onde “estendeu os seus ramos? Até o mar, e até o rio os seus rebentos”. Em conseqüência, o que aconteceu? “Por que destruíste os seus muros?” Já se vê uma alusão ao povo judaico, que foi arruinado. Já se ouviu em outro salmo: “Com achas e martelos abateram-na” (Sl 73,6). Quando isto se poderia ter feito, se não tivesse sido destruído seu muro? Que muro é este? Sua proteção. Pois, ela se levantou com soberba contra seu agricultor. Os vinhateiros flagelaram, derrubaram, mataram os servos enviados pelo senhor para receberem o pagamento. Veio também o Filho único e eles disseram: “Este é o herdeiro: vamos! Matemo-lo e apoderemo-nos de sua herança. Agarrando-o, lançaram-no fora da vinha e o mataram” (Mt 21,34-39). Lançado fora, possuiu melhor a vinha de onde fora expulso. Pois, assim ameaça por Isaías: “Derrubarei o seu muro”. Qual o motivo? “Eu esperava que ela produzisse uvas boas, mas só produziu espinhos”; esperava colher frutos e encontrei pecados. Por que, então perguntas, ó Asaf: “Por que destruíste os seus muros?” Não sabes por quê? “Deles esperava o direito, mas o que produziram foi a transgressão” (Is 5,5.2.7); não deveria destruir os seus muros? Vieram as nações, destruíram os muros, invadiram a vinha, extinguiu-se o reino dos judeus. Primeiro, assim se lamentou, mas não sem esperanças. Já fala da reta orientação do coração, isto é, em favor dos assírios, pois é um salmo para os dirigentes. “Por que destruíste os seus muros e a vindimam todos os transeuntes?” Quais são os “transeuntes?” Os dominadores temporais. | |
§ 11 | 14 “O javali das selvas a devastou”. Que entendemos por javali das selvas? Os judeus abominam os porcos, e neles vêem representada a imundície dos gentios. Pelos gentios, porém, foi arruinado o povo da Judéia; mas o rei que a destruiu não era apenas um porco imundo, mas também um javali. Que é o javali, senão um porco cruel, um porco soberbo? “O javali das selvas a devastou”. Das selvas: das nações. Pois, aquela nação era uma vinha e as outras nações eram selvas. Mas quando as nações creram, o que se disse? “Haverão de se rejubilar então as árvores todas das selvas” (Sl 95,12). “O javali das selvas a devastou e a fera singular a devorou”. Qual a fera singular? Este javali que a devastou é singularmente feroz. Singular porque soberbo. Assim se exprime todo soberbo: Eu sou; eu sou e ninguém mais. | |
§ 12 | 15.16 Mas, qual o fruto de tudo isso? “Converte-nos, ó Deus dos exércitos”. Apesar de tudo isso, “converte-nos” efetivamente. “Olha do céu, e vê, e visita esta vinha. Reforça a vinha que a tua destra plantou”. Não planta outra, mas melhora esta. Ela é descendência de Abraão, a descendência na qual serão abençoadas todas as nações (cf Gn 22,18). Aí está a raiz, que sustenta a oliveira silvestre enxertada. “Reforça a vinha que a tua destra plantou”. Mas como? “E sobre o filho do homem que para ti confirmaste”. Que há de mais evidente? O que esperais ainda que vos exponhamos nessa dissertação? Por que não exclamaremos de admiração juntamente convosco: “Reforça a vinha que a tua destra plantou, e sobre o filho do homem” hás de aperfeiçoá-la? Qual filho do homem? “Que para ti confirmaste”. Grande fundamento! Edifica quanto puderes. “Quanto ao fundamento, ninguém pode colocar outro diverso do que foi posto: Cristo Jesus” (1 Cor 3,11). | |
§ 13 | 17 “Abrasadas pelo fogo, destruídas, perecerão ante a ameaça de teu rosto”. Quais as coisas que foram abrasadas pelo fogo, destruídas e que haverão de perecer diante da ameaça de seu rosto? Vejamos e compreendamos o que foi abrasado pelo fogo e destruído. Que repreendeu Cristo? Os pecados. Diante das ameaças de seu rosto os pecados desapareceram. Por que, então se diz que os pecados foram abrasados pelo fogo e destruídos? Duas são as origens de todos os pecados humanos: a cupidez e o temor. Refleti, considerai, interrogai vossos corações, examinai vossas consciências. Vede se existem pecados que não se originem na cupidez ou no temor. Se te é proposta uma recompensa para pecares, isto é, um objeto de prazer para ti; tu o cometes porque o desejas. Talvez não te deixes seduzir pelos dons, contudo as ameaças te aterrorizam; cometes o pecado porque temes. Alguém, por exemplo, quer te corromper para proferires um falso testemunho. Há inumeráveis casos, mas proponho os mais simples, para concluires acerca dos demais. Voltas a atenção para Deus e dizes a tua alma: “Que aproveitará ao homem se ganhar o mundo inteiro mas arruinar a sua alma”? (Mt 16,26). O prêmio não me seduz a ponto de per-der a minha alma por causa de um lucro pecuniário. Ele então volta-se a incutir medo. Não pôde corromper prometendo um prêmio, e começa a ameaçar de prejuízo, expulsão, talvez de tortura e de morte. Se a ambição não conseguiu coisa alguma, talvez o temor obterá que peques. Todavia, talvez te lembres do que diz a Escritura contra a ambição: “Que aproveitará ao homem se ganhar o mundo inteiro mas arruinar a sua alma?” Pode vir também à mente o que há contra o temor: “Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma” (Mt 10,28). Qualquer que queira te matar, pode atingir até o corpo; não lhe é lícito tocar a alma. Tua alma não morrerá, a não ser que tu mesmo queiras matá-la. A iniqüidade alheia mate tua carne, contanto que tua alma seja guardada pela verdade. Se, porém, fugires da verdade, que te fará de mal o inimigo além do que tu mesmo te infliges? O inimigo enfurecido pode matar o corpo; tu, porém, proferindo um falso testemunho matas a alma. Ouve o que diz a Escritura: “A boca mentirosa mata a alma” (Sb 1,11). Conseqüentemente, meus irmãos, é o amor e o temor que conduzem a qualquer obra boa; a todo pecado levam o amor e o temor. Se visas a agir bem, deves amar a Deus e temer a Deus; se, porém, queres agir mal, ama o mundo e teme o mundo. Estas duas atitudes se mudem em boas: amavas a terra, ama a vida eterna; temias a morte, teme a geena. Por mais que te prometa o mundo iníquo, por acaso pode dar tanto quanto dará Deus, que é justo? Por mais que te ameace o mundo, poderá fazer-te o que Deus faz ao malvado? Queres ver o que te dará Deus se viveres na justiça? “Vinde, benditos de meu Pai, recebei por herança o reino preparado para vós desde a criação do mundo”. Queres saber o que fará aos maus? “Ide para o fogo eterno preparado para o diabo e para os seus anjos” (Mt 25,34-41). Certamente nada queres senão estar bem. Pois, quando amas, queres que tudo esteja bem para ti, e quando temes, não queres o mal; mas não o procuras onde deve ser procurado. Tu te apressas; pois queres que nada te falte, que não sofras dificuldades; é bom o que queres, mas tolera o que não queres, a fim de conseguires o que queres. Conseqüentemente, o que fará a face daquele que apaga os pecados? Quais são os pecados abrasados pelo fogo e destruídos? Que fizera o amor perverso? Queimara como fogo. Que fizera o temor perverso? Destruíra, escavando. De fato, o amor inflama e o temor humilha. Por isso, os pecados provindos de um amor perverso, foram abrasados pelo fogo; os pecados oriundos de um medo perverso foram lançados na fossa. Enquanto o temor bom também humilha, o amor bom inflama, mas de maneira diversa. O agricultor que intercedia em favor da árvore que não produzia frutos, para que não fosse arrancada, disse: “Deixa-a para que eu cave ao redor e coloque adubo” (Lc 13,8). A fossa representa a piedosa humildade do homem que teme a Deus e o cesto de adubo o pano de saco, útil a quem faz penitência. O Senhor alude ao fogo do amor correto, ao dizer: “Eu vim trazer fogo à terra” (Lc 12,49). Inflamem-se neste fogo os fervorosos de espírito, ardentes na caridade ao próximo. É assim que toda obra justa é praticada por meio do temor justo e do amor correto, e ao invés, devido a um amor e um temor perversos é que se cometem todos os pecados. Portanto: “Abrasados pelo fogo e destruídos” todos os pecados, “perecerão ante a ameaça de teu rosto”. | |
§ 14 | 8.20 “Estende tua mão sobre o homem de tua direita e sobre o filho do homem que fortaleceste para ti. E de ti não nos apartaremos”. Até quando haverá uma geração perversa e rebelde, que não tem o coração reto? (Sl 77,8.9). Diga Asaf: Manifeste-se a tua misericórdia; faze o bem a tua vinha, reforça-a, porque “o endurecimento atingiu uma parte de Israel até que chegue a plenitude dos gentios, e assim todo Israel será salvo” (Rm 11,25.26). Uma vez que mostraste a luz de tua face “ao homem de tua direita que para ti confirmaste, e não nos apartamos de ti”, até quando nos repreenderás? Até quando nos acusarás? Age assim conosco e “não nos apartaremos de ti: Restituir-nos-ás a vida e invocaremos teu nome”. Tu nos serás suave; “restituir-nos-ás a vida”. Pois, anteriormente amávamos a terra e não a ti; mas mortificaste os nossos membros terrenos (cf Cl 3,5). O Antigo Testamento, ao prometer bens terrenos, parecia persuadir a que não se amasse gratuitamente a Deus, mas que ele fosse amado porque dá alguma coisa aqui na terra. Que é que amas, de tal sorte que não amas a Deus? Dize-me. Ama, se é possível, alguma coisa que ele não tenha feito. Olha a criação inteira; verifica se estás preso pelo visco da cupidez que te impede de amar o Criador, senão por causa de uma criatura daquele que menosprezas. Por que amas esses bens, senão por serem belos? E podem ser tão belos quanto aquele por quem foram feitos? Admiras estas realidades, porque não o vês; mas através dos bens que admiras, ama aquele que não vês. Interroga a criação. Se provém de si mesma, pára nela. Se, porém, vem de Deus, ela é perniciosa a quem a ama por ser preferida ao Criador: Por que estou falando dessas coisas? Por causa deste versículo, irmãos. Estavam mortos os que cultuavam a Deus para estarem bem corporalmente; de fato, o desejo da carne é morte (cf Rm 8,6); e estão mortos os que não adoram a Deus gratuitamente, isto é, porque ele é bom e não por dar tais bens, concedidos de igual modo aos maus. Queres obter de Deus dinheiro? O ladrão também o possui. Mulher, filhos, saúde corporal, honrarias mudanas? Observa quantos maus têm tudo isso. É só por causa disso que adoras a Deus? Teus pés vacilavam, pensavas que era em vão que o adoravas, porque vias estes bens possuídos por aqueles que não o adoram (cf Sl 72,2). Portanto, Deus concede tudo isso também aos maus; mas reserva a si mesmo apenas para os bons. “Restituir-nos-ás a vida”, uma vez que estávamos mortos, quando aderíamos aos bens terrenos; estávamos mortos, quando trazíamos a imagem do homem terreno. “Restituir-nos-ás a vida”, renovar-nos-ás, dar-nos-ás a vida do homem interior. “E invocaremos teu nome”, isto é, amar-te-emos. Serás para nós suave, perdoando nossos pecados; serás todo ó prêmio dos que foram justificados. “Converte-nos, o Senhor Deus dos exércitos. Mostra-nos a luz de tua face e seremos salvos”. | |