SALMO 𝟟𝟜

Ó Deus, por que nos rejeitaste para sempre? Por que se acende a tua ira contra o rebanho do teu pasto?

Lembra-te da tua congregação, que compraste desde a antigüidade, que remiste para ser a tribo da tua herança, e do monte Sião, em que tens habitado.





ORAÇÃO ⁜ SALMO DA BÍBLIA № 74


§ 74:1  Ơ Ó Deus, por que nos rejeitaste para sempre? Por que se acende a tua ira contra o rebanho do teu pasto?

§ 74:2  Ł Lembra-te da tua congregação, que compraste desde a antigüidade, que remiste para ser a tribo da tua herança, e do monte Sião, em que tens habitado.

§ 74:3  Ɗ Dirige os teus passos para as perpétuas ruínas, para todo o mal que o inimigo tem feito no santuário.

§ 74:4  Os teus inimigos bramam no meio da tua assembléia; põem nela as suas insígnias por sinais.

§ 74:5  A entrada superior cortaram com machados a grade de madeira.

§ 74:6  Eis que toda obra entalhada, eles a despedaçaram a machados e martelos.

§ 74:7  Ł Lançaram fogo ao teu santuário; profanaram, derrubando-a até o chão, a morada do teu nome.

§ 74:8  Ɗ Disseram no seu coração: Despojemo-la duma vez. Queimaram todas as sinagogas de Deus na terra.

§ 74:9  Ɲ Não vemos mais as nossas insígnias, não há mais profeta; nem há entre nós alguém que saiba até quando isto durará.

§ 74:10  Até quando, ó Deus, o adversário afrontará? O inimigo ultrajará o teu nome para sempre?

§ 74:11  Por que reténs a tua mão, sim, a tua destra? Tira-a do teu seio, e consome-os.

§ 74:12  Ŧ Todavia, Deus é o meu Rei desde a antigüidade, operando a salvação no meio da terra.

§ 74:13  Ŧ Tu dividiste o mar pela tua força; esmigalhaste a cabeça dos monstros marinhos sobre as águas.

§ 74:14  Ŧ Tu esmagaste as cabeças do leviatã, e o deste por mantimento aos habitantes do deserto.

§ 74:15  Ŧ Tu abriste fontes e ribeiros; tu secaste os rios perenes.

§ 74:16  Ŧ Teu é o dia e tua é a noite: tu preparaste a luz e o sol.

§ 74:17  Ŧ Tu estabeleceste todos os limites da terra; verão e inverno, tu os fizeste.

§ 74:18  Ł Lembra-te disto: que o inimigo te afrontou, ó Senhor, e que um povo insensato ultrajou o teu nome.

§ 74:19  Ɲ Não entregues às feras a alma da tua rola; não te esqueça para sempre da vida dos teus aflitos.

§ 74:20  Atenta para o teu pacto, pois os lugares tenebrosos da terra estão cheios das moradas de violência.

§ 74:21  Ɲ Não volte envergonhado o oprimido; louvem o teu nome o aflito e o necessitado.

§ 74:22  Ł Levanta-te, ó Deus, pleiteia a tua própria causa; lembra-te da afronta que o insensato te faz continuamente.

§ 74:23  Ɲ Não te esqueças da gritaria dos teus adversários; o tumulto daqueles que se levantam contra ti sobe continuamente.


O SALMO 74



SERMÃO AO POVO 💬

§ 1
1 Este salmo fornece remédio para o inchaço do orgulho e consola com a esperança os humildes. Assim, faz com que ninguém orgulhosamente presuma de si mesmo, e nenhum humilde desista de esperar no Senhor. Pois, existe uma promessa de Deus ratificada, segura, fixa, inabalável, fiel, não sujeita a dúvida alguma, que consola os aflitos. De fato, conforme foi escrito, a vida inteira do homem sobre a terra é uma tentação (cf Jó 7,1).

Nem mesmo se há de preferir uma vida aparentemente próspera e evitar a que está cheia de aflições; mas em ambas deve haver cautela. Na primeira, para que não se arruíne, na segunda, a fim de que não esmague o homem. Refúgio para cada um, quaisquer que sejam as condições da vida que leva, encontra-se apenas em Deus, e de alegria só existe a que é baseada em suas promessas. Esta vida, por mais felicidade que proporcione, decepciona a muitos; Deus a ninguém engana. Para todo aquele que se converte para Deus, muda a espécie de prazer, mudam-se as delícias (não são subtraídas, mas mudadas).

Com efeito, todas as delícias nesta vida, ainda não são reais, mas a própria esperança é tão certa que deve ser preferida a todas as delícias deste mundo, conforme está escrito:

Põe tuas delícias no Senhor”.

Tendo em vista que não penses já possuir o objeto de suas promessas, o salmista logo acrescenta:

E ele atenderá aos pedidos de teu coração (Sl 36,4).

Se ainda não recebeste o que pede teu coração, para te deleitares no Senhor, tens como certa garantia aquele que se tornou teu devedor, por meio de sua promessa. No intuito de que permaneça conosco a esperança de obter esses pedidos, e sermos introduzidos na posse do que foi prometido por Deus, fala-nos o título deste salmo:

Para o fim. Não destruas”.

Que significa:

Não des-truas?” Apresenta o que prometeste. Mas quando? “No fim”.

Para lá se dirijam os olhos espirituais.

Para o fim”.

Tudo o que ocorrer no caminho, fique para trás, a fim de se chegar ao fim. Exultem os soberbos com sua felicidade no presente; inchem-se com as honrarias, recubram-se com o brilho do ouro, superabundem seus escravos, estejam impregnados dos obséquios de seus protegidos. Tudo isso passa e passa como sombra. Quando chegar o fim, todos os que agora esperam no Senhor se alegrarão, e terão os outros uma tristeza sem fim. Ao receberem os humildes aquilo de que agora zombam os soberbos, o inchaço destes se converterá em pranto. Então se realizará a palavra que conhecemos do livro da Sabedoria. Eles dirão então, vendo a glória dos santos, que suportaram tudo ao serem humilhados aqui na terra, enquanto eles aqui eram exaltados e não aceitaram os sofrimentos. Então eles dirão:

Estes são os de quem outrora nos ríamos”.

E ainda:

Que proveito nos trouxe o orgulho? De que nos serviram riqueza e arrogância? Tudo isso passou como uma sombra(Sb 5,3.8.9).

Como presumiram a respeito de bens corruptíveis, a sua esperança perecerá; a nossa, porém, se tornará realidade. Em vista de que permaneça para nós íntegra certa e firme a promessa de Deus, dissemos com a fé no coração:

Para o fim. Não destruas”.

Não receies que algum dos potentados destrua o objeto das promessas de Deus. Ele nunca falha, porque é veraz. Não é possível encontrar outro mais forte que impeça o cumprimento de sua promessa. Por isso estejamos certos da realização das promessas de Deus, e cantemos como começa o salmo.



§ 2
Nós confessaremos a ti, ó Deus, a ti confessaremos. E invocaremos teu nome”.

Não invoques antes de confessares; confessa e invoca. Chamas para junto de ti aquele que invocas. Que é invocar senão chamar para perto de ti? Se o invocas, se o chamas para junto de ti, de quem é que ele se aproxima? Do soberbo, não. Com efeito, ele é excelso; o orgulhoso não o atinge. Para tocarmos o que é sublime, nós nos erguemos; e se não podemos atingir, procuramos algum instrumento ou escadas, a fim de que, nos elevando, o toquemos. O contrário sucede em relação a Deus. Ele é elevado, mas são os humildes que o alcançam. Está escrito:

O Senhor está perto dos corações contritos(Sl 33,19).

A piedade, a humildade, coração triturado. Quem está contrito, está aborrecido consigo mesmo; fique assim a fim de que Deus se torne propício. Sirva de juiz para si mesmo para tê-lo por defensor. Por conseguinte, Deus vem ao ser invocado. Para perto de quem? Para o soberbo, não. Escuta outro testemunho:

Excelso é o Senhor e baixa o olhar para o humilde, mas vê de longe os soberbos(Sl 137,6).

Excelso é o Senhor e baixa o olhar para os humildes”, mas não de longe. De longe, porém, vê os orgulhosos. O salmista, tendo em vista que, uma vez havendo dito que ele vê os humildes, os soberbos poderiam se regozijar esperando ficar impunes, como se aquele que habita nas alturas não descobrisse os soberbos, atemoriza-os com as seguintes palavras: Ele vos vê e conhece, mas de longe. Ele torna felizes aqueles dos quais se aproxima; quanto a vós, soberbos, exaltados, não ficareis impunes, porque ele vos conhece. Todavia, não sereis felizes, porque é de longe que vos conhece. Vede como deveis agir; porque se vos conhece, não vos perdoa. Seria melhor desconhecer que conhecer. Que seria desconhecer senão não conhecer? Que significa: não conhecer? Não dar atenção, pois também se diz que o que castiga não está atento. Deus ouve aquele que reza, a fim de perdoar:

Desvia a tua face de meus pecados(Sl 50,11).

Que farás se ele desviar a sua face de ti? É molesto. Receia que te abandone. Se não desvia a face, dá atenção. Deus sabe agir assim, pode agir assim: desviar a face do pecador e não desviar daquele que confessa. Em conseqüência, diz-se-lhe num salmo:

Desvia a tua face de meus pecados”, e em outro:

Não desvies de mim a tua face(Sl 26,9).

No primeiro: Desvia de meus pecados; no último: Não desvies de mim. Confessa, portanto, e invoca, confessando, limpas o templo aonde deve vir aquele que é invocado. Confessa e invoca. Desvie a face de teus pecados e não a desvie de ti. Desvie a face do pecado que fizeste, mas não desvie daquele ser que ele mesmo fez. A ti, homem, ele criou; a teus pecados, tu os fizeste. Confessa, portanto, e invoca. Dize:

Nós confessaremos a ti, ó Deus, a ti confessaremos”.



§ 3
A própria repetição reforça. Não te arrependas de ter confessado. Não te confessaste a um homem cruel; ele não é vingador, injuriador. Confessa com segurança. Escuta outra exortação do salmo:

Confessai ao Senhor porque ele é bom(Sl 105,1; 106,1).

Que quer dizer:

porque ele é bom?” Por que motivo receias confessar? Ele é bom e perdoa àquele que confessa. Podes ter medo de confessar a um juiz humano, pois talvez castigue aquele que confessa. A Deus, não. Torna-o propício por meio da confissão; se negares, ele não deixa de saber.

Nós confessaremos a ti, ó Deus, a ti confessaremos, e tranqüilos invocaremos o teu nome”.

Nossos corações se cansaram de tanto confessar; tu nos atemorizaste, nos purificaste. A confissão nos torna humildes. Aproxima-te dos humildes tu que te afastas dos orgulhosos. Sabemos por muitas passagens da Escritura que é confirmação de uma sentença a sua repetição. Daí vem que o Senhor diz:

Amém, amém(Jo 1,51 etc.).

O mesmo acontece em alguns salmos: (“Fiat, fiat) assim seja, assim, seja(Sl 71,19; 88,53).

Bastava para ter sentido dizer uma só vez:

Assim seja”, mas para reforçar o sentido acrescenta-se outro:

Assim seja”.

O rei do Egito, o faraó (sabeis que José estava então no cárcere, devido a seu amor à pureza) viu em sonhos o que todos nós sabemos. Sete vacas gordas consumidas por sete vacas magras; e ainda, sete espigas cheias absorvidas por sete espigas mirradas. E como o interpretou José? Se recordais, estes dois sonhos constituem uma só visão. Ele disse: Uma só é a interpretação deles. Se viste duas vezes, vale como confirmação (cf Gn 41,1-32).

Referi-me a isto para não pensardes que a repetição na linguagem sagrada seja loquacidade. Muitas vezes ali a repetição tem a finalidade de um reforço.

Meu coração está preparado, ó Deus, está preparado o meu coração(Sl 56,8).

E em outro salmo:

Espera no Senhor, age virilmente, conforte-se teu coração, espera no Senhor(Sl 26,14).

Tais expressões são inúmeras nas Escrituras. Baste que tenhamos relembrado tal modo de falar e podereis anotar as passagens semelhantes; agora, atenção ao assunto. Nós a ti confessaremos e invocaremos. Já expliquei a razão por que a confissão precede à invocação. Convidas aquele a quem invocas. O Senhor não quer atender ao ser invocado, se fores orgulhoso. Orgulhoso, não confessarás. Mas não pode Deus ignorar o que negas. Por conseguinte tua confissão não o instrui, mas te purifica.



§ 4
E o salmista já confessou e invocou. Ou antes, confessaram e invocaram. Agora continua, como se fosse um só:

Anunciarei todas as tuas maravilhas”.

Tendo confessado livrou-se dos males, invocando encheu-se de bens, e narrando manifestou exteriormente aquilo de que estava repleto. E vede, irmãos. Eram muitos a confessarem:

Nós a ti confessaremos, ó Deus; a ti confessaremos e invocaremos o teu nome”.

Muitos são os corações dos que confessam, um só o dos que crêem. Por que são muitos os corações dos que confessam, e um só o dos que crêem? Na verdade, os homens confessam diferentes pecados, mas uma só é a fé que professam. Por conseguinte, ao começar Cristo a habitar no interior do homem pela fé (cf Ef 3,17) e a possuir aquele que confessou e o invocou torna-se o Cristo total, Cabeça e corpo. De muitos fez-se um só. Ouvi, pois, as palavras de Cristo. Pois, parecia que não eram suas as palavras.

Nós a ti confessaremos, ó Deus; a ti confessaremos, e invocaremos o teu nome”.

A Cabeça já começa a falar. Quer, porém, fale a Cabeça, quer falem os membros, é Cristo quem fala. Fala enquanto Cabeça e fala enquanto corpo. Mas, o que foi dito? “Serão dois numa só carne. É grande este mistério: refiro-me à relação entre Cristo e a sua Igreja(Gn 2,24; Ef 5,31.32).

E o próprio Cristo declarou no evangelho:

De modo que já não são dois, mas uma só carne(Mt 19,6).

Como sabeis, quanto a essas duas pessoas que formam uma pela união matrimonial, Isaías se refere a elas como sendo uma coisa só:

Como um noivo que se adorna com um diadema, como uma noiva que se enfeita com as suas jóias(Is 61,10).

Chama-se esposo por causa da Cabeça e esposa por causa do corpo. Por isso, é um só que fala; ouçamo-lo e falemos também com ele. Sejamos seus membros a fim de que essa voz possa também ser nossa.

Anunciarei todas as tuas maravilhas”.

Cristo evangeliza a si mesmo, anuncia-se também em seus membros já existentes, a fim de atrair outros a si, aproximando-se os que não eram seus membros para se incorporarem. Através deles foi pregado o evangelho. Tornem-se todos um só corpo, sob uma só Cabeça, num só Espírito, numa vida só.



§ 5
3 Que diz ainda o salmo? “No tempo determinado, julgarei segundo a justiça”.

Quando julgarás segundo a justiça? No tempo determinado. Ainda não é tempo. Graças a sua misericórdia: primeiro prega a justiça, e depois julga segundo a justiça. Pois, se quisesse julgar antes de anunciar, quem seria libertado? Quem absolvido? Agora, pois, é o tempo da pregação:

Anunciarei todas as tuas maravilhas”.

Ouve Cristo a anunciar, a pregar; pois se desprezares, “no tempo determinado”, diz ele, “julgarei segundo a justiça”.

Agora perdôo os pecados daquele que confessa; depois, não pouparei ao desprezador. Diz-se em outro salmo:

Cantar-te-ei a misericórdia e a justiça, Senhor(Sl 100,1).

A misericórdia e a justiça: agora, a misericórdia, depois, a justiça”.

Com a misericórdia, perdoam-se os pecados, com a justiça eles são punidos. Queres não temer aquele que pune os pecados? Ama aquele que perdoa. Não o rejeites, não te exaltes, não digas: Não tenho o que me perdoe. Ouve a continuação do salmo:

No tempo determinado, julgarei segundo a justiça”.

Para Cristo há tempo determinado? Para o Filho de Deus? Para o Filho de Deus não há tempo; mas o Filho do homem era sujeito ao tempo. Este, porém, é o mesmo Filho de Deus, por quem fomos feitos, o Filho do homem por intermédio do qual fomos restaurados. O Filho de Deus que não foi assumido, assumiu a natureza humana; mudou o homem em melhor, sem se tornar pior ele próprio. Não deixou de ser o que era, mas assumiu o que não era. Que era ele? “Sendo ele de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus”.

São palavras do Apóstolo. E o que assumiu? “Mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a con-dição de escravo(Fl 2,6.7).

Como assumiu a condição de escravo, também assumiu o tempo. Então, ele se alterou? Diminuiu? Tornou-se mais fraco? Deficiente? Absolutamente não. Por que então “aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo?” Aniquilou-se assumindo a natureza inferior, sem perder a igualdade com Deus. Portanto, irmãos, o que significa:

No tempo determinado, julgarei segundo a justiça?” O Filho do homem assumiu o tempo, mas o governa, enquanto Filho de Deus. Escuta, porém: o Filho do homem assumiu o tempo para julgar. Diz o evangelho:

Deu-lhe o poder de julgar, porque é Filho do homem(Jo 5,27).

Enquanto Filho de Deus jamais recebeu o poder de julgar, porque deste nunca careceu. Enquanto Filho do homem assumiu o tempo: para nascer e sofrer, morrer, ressuscitar e subir ao céu. Assim também o tempo para voltar e julgar. Com ele profere também estas palavras seu corpo, pois não julgará sem ele; efetivamente, diz o evangelho:

Também vós vos sentareis em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel(Mt 19,28).

Portanto, é o Cristo total que fala, isto é, Cabeça e corpo, nos santos:

No tempo determinado, julgarei segundo a justiça”.



§ 6
4 E o que sucede agora? “A terra deslisou”.

Se a terra deslisou, por que deslisou, a não ser por causa dos pecados? Estes também se denominam delitos. Delinqüir é fluir, como um líquido, da estabilidade firme da virtude e da justiça. O homem peca pela cupidez de bens inferiores. Como se fortifica pelo amor dos bens superiores, desfalece e quase se liquefaz pelo desejo dos bens inferiores. O misericordioso doador, que perdoa os pecados e ainda não exige os suplícios, atendendo a esse fluxo nos pecados dos homens, diz:

A terra deslisou, com todos os seus habitantes”.

A própria terra deslisou, de fato, em seus habitantes. É exposição da conseqüência, não adição. Seria como se dissesses: Como deslisou a terra? Foram-lhe retirados os fundamentos, e ela imergiu nesta fenda? Terra aqui é idêntico a “todos os seus habitantes”.

Diz o salmo: Encontrei a terra pecadora, e que fiz? “Eu firmei suas colunas”.

Quais as colunas firmadas? Chama de colunas os apóstolos. Assim se exprime o apóstolo Paulo a respeito de seus co-apóstolos:

Eram tidos como colunas(Gl 2,9).

O que seriam destas colunas se o Senhor não as firmasse? Pois um determinado terremoto fez vacilar as próprias colunas; na paixão do Senhor todos os apóstolos perderam a esperança. As colunas, vacilantes durante a paixão do Senhor, firmaram-se por ocasião da ressurreição. A base do edifício clamou por suas colunas; o próprio arquiteto clamou em todas elas. Uma das colunas era o apóstolo Paulo, que dizia:

procurais uma prova de que é Cristo que fala em mim”? (2 Cor 13,3).

Efetivamente, “eu firmei suas colunas”.

Ressuscitei. Mostrei não ser temível a morte. Demonstrei aos medrosos que nem o próprio corpo dos que morrem perece. Aterrorizam-nos as feridas: as cicatrizes os robusteceram. Poderia o Senhor Jesus Cristo ressuscitar sem cicatriz alguma. Que dificuldade apresentava para seu poder restituir ao corpo a integridade perfeita, sem qualquer vestígio das feridas anteriores? Tinha o poder de curá-lo sem deixar cicatrizes; mas quis conservá-las para firmar as colunas vacilantes.



§ 7
5 Ouvimos, irmãos, o que se fala diariamente. Ouçamos o que o Senhor clamou por meio destas colunas. É tempo de ouvir, devido às palavras que nos atemorizam:

Julgarei segundo a justiça, no tempo determinado”.

Haverá para ele tempo de julgar segundo a justiça. Quanto a vós, tendes tempo de praticar a justiça. Se ele se calasse, não saberíeis o que fazer, mas ele clama por intermédio das colunas bem firmes. Que clama por meio delas? “Disse aos iníquos: Não pratiqueis mais a iniqüidade”.

Ele clama, meus irmãos. Com efeito, vós gritastes. Isso vos agrada. Ouvi o Senhor a clamar. Por causa dele eu vos exorto, que estas palavras vos atemorizem. Elas não são deleitáveis; são terríveis.

Disse aos iníquos: Não pratiques mais a iniqüidade”.

Mas eles já praticaram e tornaram-se réus.

A terra já deslisou, com todos os seus habitantes”.

Cumpungiram-se de coração os que crucificaram a Cristo (cf At 2,37.38).

Reconheceram o próprio pecado, aprenderam alguma coisa através dos apóstolos, a fim de não perderem a esperança sobre a indulgência do pregador. O médico viera, mas não para os sadios:

Não são os que têm saúde que precisam do médico, mas sim os doentes. Com efeito, eu não vim chamar justos, mas pecadores à penitência(Mt 9,12.13).

Por isso, “disse aos iníquos: Não pratiqueis mais a iniqüidade”.

Eles não ouviram. Outrora isso nos fora dito. Não ouvimos, caímos, tornamo-nos mortais, fomos gerados mortais:

A terra deslisou”.

Ao menos agora, ouçam, a fim de se erguerem, o médico que veio ver o doente. Àquele que os sãos não quiseram ouvir para não caírem, ouçam-no agora os doentes a fim de se levantarem.

Disse aos iníquos: Não pratiqueis mais a iniqüidade”.

Como agimos? Já praticamos o mal.

E aos delinqüentes: Não eleveis a fronte com soberba contra Deus”.

Qual o sentido da frase? Se fizestes o mal por ambição, não defendais orgulhosamente. Confessai, se o fizestes. Pois quem não confessa é iníquo, exalta a fronte.

Disse aos iníquos: Não pratique mais a iniqüidade, e aos delinqüentes: Não eleveis a fronte com soberba contra Deus”.

Em vós se exaltará a fronte de Cristo se não se exaltar a vossa. Vossa fronte provém da iniqüidade; a de Cristo origina-se de sua majestade.



§ 8
6.8 “Não levanteis tão alto a cabeça. Não blasfemeis contra Deus”.

Já se ouvem as vozes de muitos. Cada um ouça e se arrependa. Como se exprimem em geral os homens? Deus julga, de verdade, as coisas humanas? Este é o juízo de Deus? Ele providencia o que sucede na terra? Tantos malvados transbordam de felicidade; e os inocentes estão acabrunhados de trabalhos! A alguém sobrevém um mal qualquer, por castigo e aviso da parte de Deus, e ele está cônscio disso. Sabe que pode padecer algo devido a seus pecados. Que argumentos tem contra Deus? Uma vez que não pode afirmar: Sou justo, o que pensamos que ele dirá? Há malvados piores do que eu e no en-tanto não sofrem estes males. São estas as blasfêmias que os homens proferem contra Deus. Vede, porém, como isso é iníquo: enquanto quer parecer justo, declara-o injusto. Pois quem assevera: É iníquo sofrer o que sofro, chama de iníquo aquele por cujo juízo ele sofre, enquanto seria justo aquele que sofre injustamente. Pergunto-vos, meus irmãos, está certo pensar que Deus é injusto e tu és justo? Se assim te exprimes, blasfemas contra Deus.



§ 9
Como se exprime outro salmo? “Fizeste isto”, depois de enumerar certos pecados.

Fizeste isto e calei”.

Que quer dizer:

calei?” Ele jamais cala os mandamentos, mas por enquanto cala o castigo; adia a vindicta, não profere sentença condenatória. Então diz o pecador: Fiz isto e aquilo e Deus não castigou; estou sadio, nada de mal me sucede.

Fizeste isto e calei. Suspeitaste, devido a tua iniqüidade, que sou semelhante a ti”.

Que quer dizer:

que sou semelhante a ti?” Que és iníquo e me consideras iníquo, como se aprovasse teus crimes, e não me opusesse e vingasse. Como continua a dizer-te? “Censurar-te-ei e manifestarei a ti mesmo, diante de teus olhos(Sl 49,21).

Que é isto? Agora, ao pecares, colocas a ti mesmo atrás, não te vês, não te examinas. Eu te colocarei diante de ti mesmo, e farei de ti um suplício para ti mesmo. Assim também aqui.

Não blasfemeis contra Deus”.

Atenção! Muitos proferem essa iniqüidade, mas não ousam fazê-lo abertamente, a fim de que os homens piedosos não se apavorem diante do blasfemo. Roem em seu coração essas palavras; inteiramente se alimentam com esta comida nefasta. Apraz-lhes falar contra Deus, e se essas palavras não saem de sua língua, no coração eles não calam. Por isso, diz-se em outro salmo:

Disse o insensato em seu coração: Deus não existe(Sl 13,1).

Diz o insensato”, mas com medo dos homens. Não quis dizer de forma que os outros ouvissem; mas disse onde ouvia aquele do qual falava. Por este motivo, caríssimos, prestai atenção. Também neste salmo, ao dizer o salmista:

Não blasfemeis contra Deus”, viu que muitos assim faziam em seu coração e acrescentou:

Não é do oriente, nem do ocidente, nem das montanhas desertas. Pois o juiz é Deus”.

Deus é o juiz de tuas iniqüidades. Se é Deus, ele está presente em toda parte. Onde te ocultarás dos olhos de Deus, de tal sorte que possas falar sem que ele ouça? Se Deus julga do oriente, afasta-te para o ocidente, e profere o que quiseres contra Deus; se no ocidente, vá ao oriente, e ali fala. Se ele julga das montanhas desertas, vá para o meio dos povos, onde sussurres para ti mesmo. Não julga de lugar algum aquele que em toda a parte se oculta, em toda parte se manifesta, a quem ninguém consegue conhecer, e a quem não é permitido a alguém ignorar. Vê o que fazes. Falas blasfêmias contra Deus. Em outra passagem diz a Escritura:

O Espírito do Senhor enche o universo, dá consistência a todas as coisas, não ignora nenhum som. Por isso quem fala iniquamente não tem desculpa(Sb 1,7.8).

Por isso, não imagines que Deus está em determinado lugar; ele será para contigo conforme aquilo que tu és. Como será de acordo com o que és? Será bom, se fores bom; e parecer-te-á mau, se fores mau; mas auxiliador se fores bom; vingador se fores mau. Tu o tens como juiz no teu íntimo. Quando planejas fazer algo de mal, da rua te recolhes a tua casa, onde nenhum inimigo te pode ver; dos lugares de tua casa de fácil acesso e visíveis vais ao quarto; temes que no quarto alguém o perceba e te retiras para teu coração e ali pensas; Deus, porém, penetra mais fundo do que teu coração. Para onde fugires, o encontrarás. E de ti mesmo, para onde fugirás? Seja para onde quer que fujas, não vais contigo? Visto que ele te é mais íntimo do que tu mesmo, não podes escapar da ira de Deus senão para junto de Deus já aplacado. Absolutamente não há lugar para onde possas fugir. Queres fugir dele? Foge para junto dele. Por conseguinte, não blasfemeis contra Deus, nem no coração de onde falais.

No leito tramou o crime(Sl 35,5).

O que tramou em seu leito? Leito é o coração.

Oferecei um sacrifício de justiça e esperai no Senhor”.

Dissera o salmista um pouco antes:

Tende compunção em vossos leitos. O que dizeis em vossos leitos, dizei-o(Sl 4,6.5).

Sintas tanta compunção ao confessar quantos forem os remorsos dos crimes. Portanto, Deus te julga ali onde blasfemas contra ele. Ele não adia o juízo; adia somente o castigo. Agora julga, já conhece, já vê. Falta a pena. Quando ela se apresentar a terás. Sofrerás o castigo, se não te corrigires, ao se manifestar a face daquele homem que aqui foi escarnecido, julgado, crucificado, que compareceu diante do juiz e aparecerá para julgar os réus em sua presença. Que faremos então agora? Vamos ao seu encontro, en ecsomologesei. Previne-te com a confissão (cf Sl 94,2), pois virá assim com mansidão aquele a quem irritaste.

Nem das montanhas desertas. Pois o juiz é Deus”.

Não é do oriente, nem do ocidente, nem das montanhas desertas. Por que motivo? “Pois o juiz é Deus”.

Se estivesse em algum lugar, não seria Deus. Uma vez que Deus é o juiz e não um homem, não o aguardes vindo de um lugar. Tu mesmo serás o seu lugar, se fores bom, se o invocares com a confissão.



§ 10
A um ele abate e a outro exalta”.

A quem humilha e a quem exalta aquele juiz? Observai aqueles dois homens que sobem ao templo e vede a quem ele humilha e a quem exalta.

Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. O fariseu orava: Ó Deus, eu te dou graças porque não sou como o resto dos homens, injustos, ladrões, adúlteros, e nem como este publicano; jejuo duas vezes por semana, pago o dízimo de todos os meus rendimentos”.

Subira à procura do médico, e mostrava-lhe os membros sadios; escondia, porém, as feridas. Que dizia o outro, que sabia melhor como ser curado? “O publicano, mantendo-se a distância, batia no peito”.

Notais que ele se mantinha a distância, mas se aproximava daquele a quem invocava.

E batia no peito, dizendo: Meu Deus, tem piedade de mim, pecador! Eu vos digo que este último desceu para casa justificado, mais do que o outro. Pois todo o que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado(Lc 18,10-14).

Está explicado o versículo deste salmo. Deus, ao julgar, como procede? “A um ele abate e a outro exalta”; humilha o soberbo, exalta o humilde.



§ 11
9 “Nas mãos do Senhor está um cálice de vinho puro e mesclado. Muito bem. Ele o despeja daqui para ali. Todavia a borra não se esgotou. Hão de sorvê-lo todos os pecadores da terra”.

Reanimai-vos um pouco. É um trecho obscuro, mas como ouvimos da mais recente leitura do evangelho:

Pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei e vos será aberto(Mt 7,7).

Mas podes replicar: Onde devo bater para que se me abra? “Não é do oriente, nem do ocidente, nem das montanhas desertas. Pois o juiz é Deus”.

Se ele está presente aqui e ali, e não se ausenta de parte alguma, bate aí onde estás; somente permanece aí, porque somente ficando, bates. Que significa, então, o versículo? A primeira questão que ocorre é a seguinte:

Vinho puro e mesclado”.

Como é puro se “mesclado?” Além disso:

Nas mãos do Senhor está um cálice”, diz o salmo. Falo a fiéis, instruídos na Igreja de Cristo. Não deveis imaginar a Deus numa forma humana. Não aconteça que, estando fechados os templos, fabriqueis ídolos em vossos corações. Este cálice significa alguma coisa. Nós o descobriremos. Está “nas mãos do Senhor”, em poder do Senhor. Mão de Deus alude ao poder de Deus. Pois, em relação aos homens não raro se diz: Tem isso nas mãos, quer dizer, tem em seu poder, faz o que quer. Um cálice de “vinho puro e mesclado”.

Em seguida, o próprio salmista explica:

Despeja daqui para ali; todavia a borra não se esgotou”.

Eis como estava cheio de vinho mesclado. Não nos assuste por ser puro e mesclado; é puro devido ao fato de ser genuíno, e mesclado por causa da borra. Que é vinho neste cálice, e que é borra? E por que:

ele o despeja daqui para ali”, de tal forma que sua borra não se esgote?



§ 12
Recordai-vos como chegamos a isto:

A um ele abate e a outro exalta”.

Foi daí. O evangelho o representou em dois homens, um fariseu e outro publicano. No sentido lato, trata-se de dois povos, os judeus e os gentios. O povo judaico é aquele fariseu; o povo gentio é o publicano. O povo judaico gabava-se de seus méritos; os gentios confessavam seus pecados. Quem conhece nas Sagradas Letras as epístolas dos apóstolos e os Atos dos Apóstolos, verifica ali o que digo. Não preciso me estender como os apóstolos exortavam os gentios a não perderem a esperança, por jazerem prostrados por causa de seus grandes pecados, e reprimiam os judeus, a fim de que não se exaltassem, devido à justiça da Lei, e por isso se considerassem justos, porque os judeus tinham a Lei, o templo e o sacerdócio (cf Rm 3,4), enquanto os gentios eram pecadores. Os gentios todos, adoradores dos ídolos, veneradores dos demônios, mantinham-se longe, como aquele publi-cano se conservava distante. Os judeus orgulhosos se apartaram, mas os gentios se aproximaram por meio da confissão.

Um cálice de vinho puro e mesclado, nas mãos do Senhor”: vejamos o que o Senhor me concede entender. Pois, outro pode entender melhor, porque a obscuridade das Escrituras produz esse resultado: é difícil obter uma só explicação. Seja qual for, porém, o modo de entender, há de estar de acordo com a regra da fé. Não invejamos os que entendem melhor, nem desanimamos por entendermos menos. Digo à V. Caridade minha opinião, embora não queira obstruir vossos ouvidos impedindo a percepção do que outros talvez expliquem melhor.

Um cálice de vinho puro e mesclado” é, a meu ver, a Lei dada aos judeus, e toda a Escritura denominada Antigo Testamento, onde está o conjunto de todas as sentenças. Nele se oculta o Novo Testamento, como se fosse a borra, os sinais materiais. A circuncisão da carne é um grande sinal e representa a circuncisão do coração. O templo de Jerusalém é um grande sinal, é figura do corpo do Senhor. Terra da promissão é o reino dos céus. O sacrifício das vítimas e animais contém um grande mistério; em todos aqueles sacrifícios é figurado o sacrifício e a única vítima da cruz do Senhor. Temos um só sacrifício no lugar de todos os outros, porque estes figuravam o nosso e o nosso era neles representado. O povo hebraico recebeu a Lei; recebeu mandamentos justos e bons. Que há de mais justo do que os seguintes mandamentos:

Não matarás. Não cometerás adultério. Não furtarás. Não dirás falso testemunho. Honra a teu pai e tua mãe. Não cobiçarás a casa do teu próximo, não desejarás a sua mulher. Adorarás a um só Deus e só a ele servirás”? (Ex 20,7-17; Dt. 5,6-21).

A todas essas realidades refere-se o vinho de que fala o salmo. Tudo o que havia de carnal nelas se assentou no fundo, para ficar com os judeus, e fosse vertido dali todo sentido espiritual.

Nas mãos do Senhor está um cálice”, isto é, em poder do Senhor, “de vinho puro”, isto é, da genuína Lei, “e mesclado”, isto é, com a borra dos sinais materiais. E “como a um ele abate e a outro exalta”, a saber, o judeu soberbo e o gentio que confessa, “ele o despeja daqui para ali”, isto é, do povo judaico para o povo pagão. O que despejou? A Lei. Assim destila o sentido espiritual.

Todavia a borra não se esgotou”, porque todos os sinais carnais permaneceram com os judeus.

Hão de sorvê-lo todos os pecadores da terra”.

Quem sorve? “Todos os pecadores da terra”.

Quais pecadores da terra? Os judeus, de fato, eram pecadores e soberbos; os gentios eram também pecadores, mas humildes:

Todos os pecadores hão de sorver”.

Vê, porém, que borra e que vinho. Com efeito, os judeus, sorvendo a borra, desfaleceram; os gentios, bebendo o vinho, foram justificados. Ousaria dizer sem receio inebriaram-se; pois, oxalá todos assim se inebriassem! Vós vos recordais da palavra:

E teu cálice inebriante, como é excelente!(Sl 22,5).

E então? Pensais, meus irmãos, que todos aqueles que confessaram a Cristo até a morte, estavam sóbrios? Estavam tão ébrios que não conheciam mais os seus. Os seus parentes, que se esforçaram por meio de carícias para tirar-lhes a esperança dos prêmios eternos, não foram reconhecidos, nem ouvidos por estes ébrios. Não eram ébrios aqueles cujo coração se transformara? Não eram ébrios aqueles cuja mente se tornava alheia às coisas deste mundo? “Hão de sorvê-lo todos os pecadores da terra”.

Mas quais os que bebem o vinho? Os pecadores bebem; não, porém, para continuarem pecadores; bebem a fim de serem justificados e não sofrerem castigo.



§ 13
10 “Eu, porém”, todos bebem, mas “eu”, separadamente, a saber, Cristo com seu corpo, “me alegrarei eternamente. Salmodiarei ao Deus de Jacó”, através do que foi prometido para o fim e a respeito do qual se diz:

Não destruas. Eu, porém, me alegrarei eternamente”.



§ 14
11 “Abaterei toda a força dos pecadores; exaltado será o poder do justo”.

É isto que significa a expressão:

A um ele abate e a outro exalta”.

Não querem os pecadores que se abata a sua força, mas sem dúvida no fim ela há de ser quebrada. Queres evitar que ela então se quebre? Quebra-a tu mesmo, hoje. Ouviste o que foi dito mais acima; não o desprezes.

Disse aos iníquos: Não pratiqueis mais a iniqüidade e aos delinqüentes: Não eleveis a fronte, com soberba”.

Ao ouvires:

Não eleveis a fronte com soberba”, desprezaste, levantaste a cabeça. Chegarás ao fim, quando se realizará a palavra:

Abaterei toda a força dos pecadores: exaltado será o poder do Justo”.

Pecadores são as dig-nidades dos soberbos; fronte dos justos são os dons de Cristo; pois a expressão: fronte designa as posições mais altas. Menosprezas na terra as honrarias terrenas, a fim de obteres as celestes. Amas as dignidades terrenas; o Senhor não te admitirá às celestes. Para tua confusão quebrar-se-á a tua força, enquanto a elevação da cabeça pertence à glória. Portanto, é agora tempo de escolher; depois, no fim esse terminará. Não poderás dizer então: Deixa-me escolher. Já se passou a ocasião de ouvir:

Disse aos iníquos”.

Se ele não disse, prepara a desculpa, prepara a defesa. Mas, se ele disse, antecipa-te ao seu encontro com a confissão, a fim de não sofreres a condenação, porque então será tardia a confissão, sem posibilidade alguma de defesa.