SALMO 𝟭

Dá-nos auxílio contra o adversário, pois vão é o socorro da parte do homem.

Em Deus faremos proezas; porque é ele quem calcará aos pés os nossos inimigos.





ORAÇÃO ⁜ SALMO DA BÍBLIA № 60


§ 60:1  Ơ Ó Deus, tu nos rejeitaste, tu nos esmagaste, tu tens estado indignado; oh, restabelece-nos.

§ 60:2  Abalaste a terra, e a fendeste; sara as suas fendas, pois ela treme.

§ 60:3  Ao teu povo fizeste ver duras coisas; fizeste-nos beber o vinho de aturdimento.

§ 60:4  Ɗ Deste um estandarte aos que te temem, para o qual possam fugir de diante do arco.

§ 60:5  Para que os teus amados sejam livres, salva-nos com a tua destra, e responde-nos.

§ 60:6  Ɗ Deus falou na sua santidade: Eu exultarei; repartirei Siquém e medirei o vale de Sucote.

§ 60:7  ɱ Meu é Gileade, e meu é Manassés; Efraim é o meu capacete; Judá é o meu cetro.

§ 60:8  ɱ Moabe é a minha bacia de lavar; sobre Edom lançarei o meu sapato; sobre a Filístia darei o brado de vitória.

§ 60:9  Quem me conduzirá à cidade forte? Quem me guiará até Edom?

§ 60:10  Ɲ Não nos rejeitaste, ó Deus? e tu, ó Deus, não deixaste de sair com os nossos exércitos?

§ 60:11  Ɗ Dá-nos auxílio contra o adversário, pois vão é o socorro da parte do homem.

§ 60:12  Em Deus faremos proezas; porque é ele quem calcará aos pés os nossos inimigos.


O SALMO 60



SERMÃO AO POVO 💬

§ 1
1 Empreendemos meditar convosco este salmo. É curto. Esteja presente o Senhor para conseguirmos explicá-lo de maneira suficiente e breve. À medida que nos ajudar aquele que nos ordena falar, procuro atender bem aos que querem ouvir, sem molestar os mais lentos, nem pesar a alguns, nem onerar os mais ocupados. O título não nos detém. Assim se formula:

Para o fim. Entre os hinos. De Davi. Entre os hinos”, de louvor.

Para o fim”, Cristo.

O fim da Lei é Cristo para a justificação de todo o que crê(Rm 10,4).

De Davi”, não devemos aplicar o nome senão àquele que veio, da estirpe de Davi, para ser homem no meio dos homens, e torná-los iguais aos anjos. Devemos reconhecer neste salmo nossa voz, e não de algum estranho, se somos de seus membros e estamos em seu corpo, como ousamos presumir, seguindo sua exortação. Não disse que é nossa voz, como se fosse somente de nós aqui presentes; mas nossa, dos que estamos espalhados por todo o mundo, do oriente ao ocidente. E para saberdes que assim é nossa voz, fala o salmo aqui como se fosse um só homem; não é, porém, um só homem, mas a unidade fala como se fosse um só. Em Cristo todos nós somos um só homem. A Cabeça deste homem único está no céu, e seus membros ainda labutam na terra, e como labutam, vede como se exprime.



§ 2
2.3 “Escuta, ó Deus, a minha súplica, atende a minha oração”.

Quem é que fala? Parece um só. Vede se é um só:

Dos confins da terra clamei a ti, quando meu coração se angustiava”.

Por conseguinte, já não é um só. Mas, é um só, porque Cristo, de quem todos somos membros, é um só. Todavia, quem é este homem único que clama dos confins da terra? Não clama dos confins da terra senão aquela herança da qual se disse ao próprio Filho:

Pede-me e dar-te-ei as nações por herança, e como propriedade os confins da terra(Sl 2,8).

Esta propriedade de Cristo, portanto, esta herança de Cristo, esta unidade que nós constituímos, esta única Igreja de Cristo, clama dos confins da terra. O que é que clama? O que disse acima:

Escuta, ó Deus, a minha súplica, atende a minha oração. Dos confins da terra clamei a ti”, a saber, isto clamei a ti, “dos confins da terra”, isto é, de toda parte.



§ 3
Mas porque clamou estas coisas? “Quando meu coração se angustiava”.

Demonstra que se acha no meio de todos os povos por toda a terra em grande glória, mas também envolvida em grande tentação. Pois nossa vida nesta peregrinação não pode se passar sem tentação. Nosso progresso se realiza através da tentação. Ninguém se conhece antes de ser provado, nem pode ser coroado se não vencer, nem pode vencer sem ter combatido, nem lhe é possível lutar se não tiver inimigo e tentações. Portanto, este homem se angustia, clamando dos confins da terra; contudo não está desamparado. Cristo quis prefigurar-nos a nós, que somos seu corpo, em seu próprio corpo, no qual ele já morreu, ressuscitou, subiu ao céu, a fim de que aonde subiu a Cabeça em primeiro lugar, confiem os membros que hão de segui-lo. Por conseguinte, ele figurou-nos em si quando quis ser tentado por Satanás (cf Mt 4,1).

Acabamos de ler no evangelho que Jesus Cristo Senhor era tentado pelo diabo no deserto. De fato, Cristo era tentado pelo diabo. Em Cristo, porém, tu é que eras tentado, porque de ti Cristo assumiu uma carne, e de si te deu a salvação; de ti recebeu a morte, de si te concedeu a vida; de ti aceitou as injúrias, de si te comunicou honras; portanto de ti adveio-lhe a tentação, de si deu-te a vitória. Se nele nós fomos tentados, nele superamos o diabo. Notas que Cristo foi tentado, e não atendes a que ele venceu? Reconhece a ti mesmo nele quando tentado, e reconhece-te nele vencedor. Poderia impedir que o diabo se aproximasse; mas se ele não fosse tentado, não te ensinaria como vencer ao seres tentado. Portanto, não é de admirar que este homem, no meio das tentações, clame dos confins da terra. Mas por que não é vencido? “Sobre um rochedo me elevaste”.

Por conseguinte, já vemos aqui aquele que clama dos confins da terra. Relembremos o evangelho:

Sobre esta pedra edificarei minha Igreja(Mt 16,18).

Portanto, é a Igreja que clama dos confins da terra; Cristo quis edificá-la sobre a pedra. Quem é que se tornou pedra, a fim de que sobre ela a Igreja fosse edificada? Ouve como Paulo se exprime:

Essa rocha era Cristo(1 Cor 10,4).

Nele, pois, é que somos edificados. Por isso, aquela rocha sobre a qual fomos edificados, primeiro foi batida pelos ventos, pelos rios, pelas chuvas, na ocasião em que Cristo era tentado pelo diabo (cf Mt 2,24-25).

Eis em que firmeza ele quis te estabelecer. É certo que nossa voz não soa em vão, mas é ouvida. Firmamo-nos numa grande esperança:

Sobre um rochedo me elevaste”.



§ 4
3.4 “Tu me conduziste, porque és a minha esperança”.

Se ele não se tivesse tornado a nossa esperança, não nos conduziria. Conduz-nos enquanto guia, conduz-nos através de si mesmo enquanto caminho, e conduz-nos a si enquanto pátria. Por conseguinte, ele nos conduz. Qual a maneira? Tendo-se feito a nossa esperança. Como se tornou ele a nossa esperança? Conforme ouvistes: foi tentado, sofreu, ressuscitou: assim ele se fez a nossa esperança. Que dizemos, pois, a nós mesmos ao lermos estas coisas? Deus não nos condenará; por nossa causa enviou seu Filho para ser tentado, crucificado, morrer, ressuscitar. Efetivamente, Deus não nos despreza; por nossa causa não poupou o próprio Filho, mas entregou-o por todos nós (cf Rm 8,32).

Desta forma ele se tornou a nossa esperança. Nele contemplas teu labor e tua recompensa; labor na paixão, recompensa na ressurreição. De tal forma é que ele se fez nossa esperança. Pois, temos duas vidas: uma, esta em que estamos; outra, que esperamos. Notória é esta que agora vivemos; a que esperamos nos é desconhecida. Tolera a vida em que estás, e terás a que ainda não possuis. Tolerar de que modo? De tal modo que não sejas vencido pelo tentador. Cristo te mostrou a vida em que te achas por seus trabalhos, tentações, sofrimentos, morte; por sua ressurreição te apontou a vida que terás. Sabíamos apenas que o homem nasce e morre, mas desconhecíamos que o homem ressuscita e vive eternamente. Ele assumiu os eventos que conhecias, e demonstrou o que ignoravas. Por isso ele se tornou a nossa esperança nas tribulações e tentações. Vê como se pronuncia o Apóstolo:

E não é só. Nós nos gloriamos também nas tribulações, sabendo que a tribulação produz a perseverança, a perseverança a virtude comprovada, a virtude comprovada a esperança. E a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado(Rm 5,3-5).

Com efeito, ele se fez a nossa esperança, dando-nos o Espírito Santo. Agora andamos com esperança. Não andaríamos se não esperássemos. Como se expressa o Apóstolo? “Acaso alguém espera o que vê? E se esperamos o que não vemos, é na perseverança que o aguardamos”.

E ainda:

Pois fomos salvos em esperança(Rm 8,24-25).



§ 5
Tu me conduziste, porque és a minha esperança, torre forte na presença do inimigo”.

Meu coração se angustia, declara a unidade que abrange os confins da terra, e labuta no meio de tentações e escândalos. Os pagãos invejam-me, porque foram vencidos. Os hereges armam ciladas, encobertos sob o manto do nome de cristãos. Dentro da própria Igreja o trigo sofre violência da parte da palha. No meio de tudo isso, meu coração se angustia e clamarei desde os confins da terra. Mas não me abandona aquele que me elevou sobre um rochedo, e me conduzirá a si. Apesar de meus trabalhos, pois o diabo em tantos lugares e tempos e ocasiões me arma insídias, o Senhor é para mim uma torre forte. Ao me refugiar nele, não somente evitarei os dardos do inimigo, mas também lançarei contra eles quantos eu quiser. O próprio Cristo é uma torre; ele se tornou para nós uma torre diante do inimigo. Ele é a rocha sobre a qual foi edificada a Igreja. Queres te precaver de ser ferido pelo diabo? Foge para a torre. Os dardos do diabo jamais te alcançarão naquela torre; lá estarás bem armado e firme. Como, porém, há de fugir para a torre? Não aconteça, talvez, que alguém, em tentação, procure corporalmente esta torre; e não a encontrando, se canse, ou seja vencido pela tentação. A torre está diante de ti: lembra-te de Cristo e entra na torre. Como te lembrarás de Cristo para entrar na torre? Em tudo que sofreres, seja o que for, pensa que ele primeiro sofreu, e medita com que finalidade padeceu: morreu para ressuscitar. Espera também tu alcançar tal fim qual obteve ele antes, e entraste na torre, não consentindo na sugestão do inimigo. Se, ao invés, consentires na sugestão do inimigo então te atingirão os dardos do adversário. Ao contrário, tu deves lançar-lhe os dardos que o firam e vençam. Quais são estes dardos? As palavras de Deus, a tua fé, a tua esperança, as boas obras. Não digo: Fica nesta torre, sem fazer nada e que te baste não ser atingido pelos dardos do inimigo. Faze algo ali; as mãos não estejam ociosas; tuas boas obras são espadas que matam o inimigo.



§ 6
5 “Serei um forasteiro em teu tabernáculo pelos séculos”.

Vede: é aquele, ao qual nos referimos, que clama. Quem de nós é forasteiro pelos séculos? Vivemos na terra poucos dias e passamos; aqui somos forasteiros, e no céu seremos habitantes. És forasteiro num lugar, onde ouvirás a voz do Senhor teu Deus, a dizer-te: Emigra. Mas, daquela casa eterna nos céus ninguém te ordenará que emigres. Aqui, portanto, és forasteiro. Daí se dizer em outro salmo:

Sou um forasteiro e um peregrino, como todos os meus pais(Sl 38,13).

Aqui, de fato, somos peregrinos; lá o Senhor nos dará mansões eternas:

Na casa de meu Pai há muitas moradas(Jo 14,2).

Ele dará aquelas moradas não a forasteiros, mas a cidadãos que lá permanecerão eternamente. Na terra, no entanto, irmãos, a Igreja não haveria de ficar por pouco, mas estará aqui até o fim do mundo; por esta razão o salmista diz:

Serei um forasteiro em teu tabernáculo pelos séculos”.

Enfureça-se quanto quiser o inimigo, ataque-me, prepare-me ciladas, aumentem os escândalos, e angustie-se o meu coração:

sou um forasteiro em teu tabernáculo pelos séculos”.

A Igreja não será vencida, não será desarraigada, não cederá a tentação alguma, até que venha o fim deste mundo, e aquela habitação eterna nos receba ao sairmos desta morada temporal, aonde nos conduzirá aquele que se tornou a nossa esperança.

Serei um forasteiro em teu tabernáculo pelos séculos”.

Se queres ser forasteiro por longo tempo, quase lhe diríamos, hás de pelejar na terra no meio de tantas tentações. Pois, se a Igreja aqui estivesse por poucos dias, logo terminariam as insídias do tentador. Bem. Queres que as tentações durem poucos dias; mas como reuniria a Igreja todos os homens que nascessem, se não ficasse aqui longamente, se não se dilatasse até o fim? Não invejes os que virão futuramente. Porque passaste, não queiras cortar a ponte da misericórdia; permaneça a Igreja até o fim dos séculos. Que fazer das tentações que necessariamente hão de ser tanto mais freqüentes quanto mais escândalos sucederem? De fato, diz o evangelho:

Pelo crescimento da iniqüidade, o amor de muitos esfriará”.

Mas, aquela Igreja que clama dos confins da terra, está naqueles de que fala o versículo seguinte:

Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo(Mt 24,12.13).

Mas como hás de perseverar? Que forças possuis no meio de tantos escândalos, tantas tentações, tantas lutas? Com que forças vences o inimigo que não vês? Acaso com as tuas próprias? Uma vez que este homem é forasteiro pelos séculos, que esperança possui de que há de permanecer firme? “Abrigar-me-ei à sombra de tuas asas”.

Aí está por que motivo estamos seguros, embora cercados de tantas tentações, até que venha o fim do mundo, e as moradas eternas nos acolham a nós, que nos abrigamos à sombra de suas asas. O calor vem do século, mas é grande a sombra sob as asas de Deus:

Abrigar-me-ei à sombra de tuas asas”.



§ 7
6 “Pois tu, ó Deus, ouviste as minhas preces”.

Quais? Aquelas com as quais comecei:

Escuta, ó Deus, a minha súplica, atende a minha oração. Dos confins da terra clamei a ti”.

Clamei a ti dos confins da terra.

Por isso abrigar-me-ei à sombra de tuas asas, pois tu, ó Deus, ouviste as minhas preces”.

Somos admoestados, irmãos, a não cessar de orar, por todo o tempo da tentação.

Asseguraste a herança aos que temem o teu nome”.

Perseveremos, portanto, no temor do nome de Deus. O Pai eterno não nos engana. Os filhos trabalham para receberem a herança de seus pais, dos quais serão sucessores quando eles morrerem. Nós não trabalhamos para recebermos a herança daquele Pai que não morre, e sermos seus sucessores; mas com ele viveremos eternamente de posse da herança! “Asseguraste a herança aos que temem o teu nome”.



§ 8
7 Acrescentarás dias aos dias do rei”.

Trata-se do rei de quem somos os membros. O rei é Cristo, nossa Cabeça, nosso rei. Acrescentaste dias aos seus dias; não somente estes dias no tempo, que terão fim, mas dias aos dias infinitos. Diz outro salmo:

Habitarei na casa do Senhor por dilatados dias(Sl 22,6).

Por que diz:

dilatados dias, senão porque agora os dias são breves? Tudo o que tem fim é breve. Mas, os dias são acrescentados aos dias deste rei, de sorte que Cristo reine em sua Igreja somente nestes dias passageiros, mas os santos hão de reinar com ele em dias que não têm fim. Na eternidade há um só dia, e muitos dias. Já disse o salmo por que são muitos dias:

dilatados dias”; mas que haja somente um dia, assim se entende:

Tu és meu Filho, eu hoje te gerei(Sl 2,7).

Um só dia:

Hoje”.

Mas este dia não se acha entre ontem e amanhã; seu início não é o fim do ontem, nem seu fim o início do amanhã. Pois, é denominado também anos de Deus:

Tu és sempre o mesmo e teus anos não terminam(Sl 101,28).

Têm o mesmo sentido: anos, dias, um só dia. Refiras-te como quiseres à eternidade. Por isso, fala como quiseres, porque seja o que for que disseres, dirás menos do que é. Mas é preciso dizer alguma coisa, para poderes pensar o que não se pode exprimir.

Acrescentarás dias aos dias do rei e seus anos perdurem por muitas gerações”.

Por esta geração e pela geração futura. Esta geração é comparada à lua, porque a lua nasce, cresce, fica perfeita, diminui e morre; assim são estas gerações mortais. Mas a geração na qual seremos regenerados ao ressuscitarmos, e permanecermos eternamente com Deus, quando já não seremos como a lua, será o que diz o Senhor:

Então os justos brilharão como o sol no rieno de seu Pai(Mt 13,43).

Na Escritura a lua é figura das vicissitudes deste tempo de mortalidade. Por isso, aquele homem que descia de Jerusalém para Jericó caiu nas mãos dos ladrões. O nome da cidade de Jericó é hebraico e se traduz em vernáculo por lua. O homem descia, portanto, da imortalidade à mortalidade; e com razão no caminho foi ferido por ladrões e abandonado meio morto aquele Adão, do qual provém todo o gênero humano (cf Lc 10,30).

Por conseguinte, “acrescentarás dias aos dias do rei, e seus anos perdurem por muitas gerações”.

Tomo como referência à geração mortal. De que outra geração fizeste menção? De qual? Escuta:



§ 9
8 “Permanecerá para sempre na presença do Senhor”.

Segundo o quê? Ou por causa de quê? “Quem lhe perscrutará a misericórdia e a verdade?” Diz também outro salmo:

Todos os caminhos do Senhor são misericórdia e verdade para os que buscam sua aliança e seus testemunhos(Sl 24,10).

Grande seria o sermão sobre a verdade e a misericórdia, mas prometemos ser breves. Ouvi rapidamente o que é verdade e misericórdia. Não é sem importância o que foi dito:

Todos os caminhos do Senhor são misericórdia e verdade”.

Fala-se em misericórdia, porque Deus não dá atenção a nossos méritos, mas à sua bondade, para nos perdoar todos os pecados e nos prometer a vida eterna; fala-se, porém, em verdade, porque ele não deixa de ser o que prometeu. Reconheçamos a ambas, para também fazermos assim. Como Deus nos demonstrou sua misericórdia e sua verdade, misericórdia perdoando nossos pecados e verdade realizando suas promessas, assim também nós pratiquemos a misericórdia e a verdade: misericórdia para com os enfermos, necessitados, e até para com nossos inimigos; verdade, evitando o pecado e não acumulando pecado sobre pecado. Se alguém promete a si mesmo demais acerca da misericórdia de Deus, insinua-se em seu espírito o pensamento de que Deus pode ser injusto; julga que se continuar sendo pecador e não quiser apartar-se de suas maldades, o Senhor quando vier há de colocá-lo no mesmo lugar em que há de colocar os servos seus obedientes. E será justo que, apesar de perseverares nos pecados, ele te coloque junto daqueles que se afastaram dos pecados? Queres ser injusto, mas de sorte que também faças de Deus um injusto? Queres, então, converter a Deus, para seguir tua vontade. Tu é que deves te converter, segundo a vontade de Deus. Quem é que assim age senão alguém do número daqueles poucos dos quais se diz:

Aquele, porém, que persverar até o fim, esse será salvo(Mt 24,13).

Com razão, acha-se também no salmo:

Quem lhe perscrutará a misericórdia e a verdade?” Por que motivo a palavra:

lhe?” Bastaria:

Quem perscrutará”.

Para que o acréscimo de “lhe?” Seria porque muitos procuram a sua misericórdia e verdade ensinadas em seus livros; e quando aprenderem, vivem para si, não para ele, porque muitos procuram atender aos seus próprios interesses e não os de Jesus Cristo? (cf Fl 2,21).

Pregam a misericórdia e a verdade, e não as praticam. Mas se as pregam, conhecem-nas; não as pregariam se não as conhecessem. Mas aquele que ama a Deus e a Cristo, pregando sua misericórdia e sua verdade, procure-as por causa dele e não por causa de si mesmo; isto é, não para adquirir pela pregação comodidades temporais, mas para servir de proveito aos membros de Cristo, a saber, seus fiéis, ministrando seus conhecimentos com verdade. Desta sorte aqueles que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por todos morreu (cf 2Cor 5,15).

Quem lhe perscrutará a misericórdia e a verdade?



§ 10
9 Assim “salmodiarei ao teu nome, ó Deus, nos séculos dos séculos, para cumprir os meus votos dia a dia”.

Se salmodias ao nome de Deus, não salmodias só por algum tempo. Queres salmodiar nos séculos dos séculos? Queres salmodiar eternamente? Cumpre teus votos dia a dia. Que quer dizer: cumpre teus votos dia a dia? Do dia de hoje até aquele dia. Persevera em cumprir os votos neste dia, até chegares àquele dia. Este é o sentido da frase:

Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo”.