ORAÇÃO ⁜ SALMO DA BÍBLIA № 148 | ||
§ 148:1 | Ł Louvai ao Senhor! Louvai ao Senhor desde o céu, louvai-o nas alturas! | |
§ 148:2 | Ł Louvai-o, todos os seus anjos; louvai-o, todas as suas hostes! | |
§ 148:3 | Ł Louvai-o, sol e lua; louvai-o, todas as estrelas luzentes! | |
§ 148:4 | Ł Louvai-o, céus dos céus, e as águas que estão sobre os céus! | |
§ 148:5 | Ł Louvem eles o nome do Senhor; pois ele deu ordem, e logo foram criados. | |
§ 148:6 | Ŧ Também ele os estabeleceu para todo sempre; e lhes fixou um limite que nenhum deles ultrapassará. | |
§ 148:7 | Ł Louvai ao Senhor desde a terra, vós, monstros marinhos e todos os abismos; | |
§ 148:8 | ᵮ fogo e saraiva, neve e vapor; vento tempestuoso que excuta a sua palavra; | |
§ 148:9 | montes e todos os outeiros; árvores frutíferas e todos os cedros; | |
§ 148:10 | ᵮ feras e todo o gado; répteis e aves voadoras; | |
§ 148:11 | ɽ reis da terra e todos os povos; príncipes e todos os juízes da terra; | |
§ 148:12 | mancebos e donzelas; velhos e crianças! | |
§ 148:13 | Ł Louvem eles o nome do Senhor, pois só o seu nome é excelso; a sua glória é acima da terra e do céu. | |
§ 148:14 | ⱻ Ele também exalta o poder do seu povo, o louvor de todos os seus santos, dos filhos de Israel, um povo que lhe é chegado. Louvai ao Senhor! | |
O SALMO 148 | ||
SERMÃO AO POVO (pregado em Hipona Régia) | ||
§ 1 | 1 Decorra a vida presente no louvor de Deus, porque a eterna alegria de nossa vida futura será o louvor de Deus. Ninguém será idôneo para a vida futura, se de certo modo agora não se exercitar para isso. Agora, portanto, louvamos a Deus, mas também lhe suplicamos. Nosso louvor é alegria, nossa oração é gemido. Foi-nos prometido algo que ainda não possuímos; sendo veraz o Senhor que prometeu, alegramo-nos na esperança; entretanto, não tendo ainda o objeto de nossa esperança, gememos cheios de desejos. É bom perseverar nesses anelos, até que venha o que foi prometido, passe o gemido, suceda apenas o louvor. Por causa destas duas fases, uma a das tentações e tribulações da vida presente, outra a futura em segurança e alegrias perpétuas, foi instituída a celebração de dois tempos: um antes da Páscoa e outro depois da Páscoa. O tempo precedente à Páscoa figura a tribulação em que nos achamos; o que agora celebramos após a Páscoa lembra a felicidade futura em que nos acharemos. Antes da Páscoa, portanto, celebramos o que vivemos; depois da Páscoa celebramos, assinalando o que ainda não temos. Por isso, no primeiro tempo exercitamo-nos em jejuns e orações; agora, terminados os jejuns, passamos o tempo em louvores. Tal é o sentido do Aleluia” que cantamos. Aleluia se traduz para o latim, como sabeis, por: “Louvai ao Senhor”. O primeiro tempo, portanto, representa a fase anterior à ressurreição; o segundo, a posterior à ressurreição do Senhor. Significa a vida futura, que ainda não possuímos; o que representamos depois da ressurreição do Senhor é o que teremos depois de nossa ressurreição. Em nossa Cabeça, pois, temos prefiguradas ambas as coisas, ambas demonstradas. A paixão do Senhor assinala-nos a vida presente, durante a qual importa trabalhar, atribular-nos, e por fim morrer; a ressurreição e a glorificação do Senhor demonstra-nos a vida que receberemos, quando ele vier retribuir dignamente aos que o merecem, dando castigo aos maus, recompensa aos bons. Com efeito, agora os maus todos podem cantar conosco: “Aleluia”. Se perseverarem em sua malícia, poderão proferir com os lábios o cântico de nossa vida futura, mas não podem obter a vida, a realidade futura, agora simbolizada, pois não quiseram aplicar-se a ela antes que chegasse, nem assegurar o que haveria de vir. | |
§ 2 | Agora, então, irmãos, nós vos exortamos a louvar a Deus. A isto nos estimulamos ao proferirmos: “Aleluia”. Louvai ao Senhor, convidas um outro, e ele a ti. Todos mutuamente se exortam, todos realizam aquilo a que incitam. Mas louvai integralmente, isto é, não louvem a Deus apenas a língua e a voz, mas ainda vossa consciência, vossa vida, vossas ações. Efetivamente, agora reunidos na Igreja louvamos; quando volta cada qual para sua casa, parece que cessa de louvar a Deus. Não deixe de viver bem e louvará sempre a Deus. Só desistes de louvar a Deus, quando te desvias da justiça e daquilo que lhe apraz. Pois, se nunca te apartas de uma vida correta, tua língua pode calar, tua vida clama; e os ouvidos de Deus estão atentos a teu coração. Como nossos ouvidos captam nossas palavras, os ouvidos de Deus captam nossos pensamentos. Não é possível agir mal quem tem bons pensamentos. Pois as ações procedem do pensamento. Ninguém pode fazer alguma coisa, ou mover os membros para fazer algo, se primeiro não preceder uma ordem de seu pensamento, como do interior do palácio, qualquer coisa que o imperador ordenar, emana para todo o império romano; tudo o que se realiza através das províncias. Quanto movimento se faz somente a uma ordem do imperador, sentado lá dentro? Ao falar, ele move somente os lábios; mas move-se toda a província, ao se executar o que ele fala. Assim também em cada homem, o imperador acha-se no seu íntimo, senta-se em seu coração; se é bom e ordena coisas boas, elas se fazem; se é mau, e ordena o mal, o mal se faz. Se é Cristo que está ali sentado, que pode ordenar senão o bem? Se é o diabo que possui o coração, que pode ordenar senão o mal? Deus deixou a teu arbítrio escolher a quem hás de preparar um lugar, a Deus ou ao diabo; depois de o preparares, aquele que o possuir, mandará. Por isso, irmãos, não atendei somente ao som. Ao louvardes a Deus, louvai totalmente: cante a voz, cante a vida, cantem as ações. E se ainda há gemido, tribulação, tentação, esperai que tudo passe; e virá o dia em que louvaremos sem desfalecimento. Quanto ao salmo, como é muito claro, percorremo-lo-emos rapidamente. Discrimina todas as criaturas que louvam a Deus, e como se as encontrasse caladas, exorta-as a louvá-lo. | |
§ 3 | “Louvai ao Senhor do alto dos céus”. Como se tivesse encontrado no alto dos céus criaturas que calassem o louvor do Senhor, exorta o salmista a que se ergam e louvem. Jamais os seres celestes omitiram o louvor a seu Criador, jamais os seres terrestres cessaram de louvar a Deus. Mas sem dúvida existem algumas que possuem um espírito pronto a louvar a Deus, porque Deus lhes é agradável. Pois, ninguém louva senão aquilo que lhe apraz. Existem outros seres, porém, que não têm espírito de vida e inteligência para louvarem a Deus; todavia, como são bons, e em sua ordem íntegros, e contribuem para a beleza do universo criado por Deus, eles por sua voz e por seu coração não louvam a Deus, mas sendo considerados pelos seres inteligentes, por intermédio desses Deus é louvado; e assim enquanto por estes últimos Deus é louvado, de certo modo aqueles seres louvam a Deus. Por exemplo, louvam a Deus do alto dos céus todos os que têm espírito de vida, e intelecto puro para contemplá-lo e amá-lo sem fastio nem desfalecimento. Louvem, porém, na terra, por meio do intelecto que distingue o bem do mal, por meio do intelecto que conhece criatura e Criador, isto é, os homens que pensam nessas coisas, e aos quais o Senhor concedeu uma mente que discerne, deleita-se e louva. Os homens podem tudo isso; porventura os animais possuem tal intelecto? Se os animais tivessem tal inteligência, Deus não nos diria: “Não sejais como o cavalo, e o mulo, sem inteligência” (Sl 31,9). Quando ele nos exorta a não sermos como os animais, sem inteligência, demonstra-nos que concedeu ao homem inteligência para louvar a Deus. Por acaso, as árvores têm vida sensível como os animais? Pois, os animais, embora não tenham senso interior racional e mente inteligente que distingue como o homem, para louvarem a Deus; têm, contudo, vida manifesta, como todos nós o sabemos, que os leva a apetecer a comida, a ingerir o que lhes é útil e a rejeitar o que lhes é prejudicial; sentidos corporais para distinguir: a vista para as cores, o ouvido para as vozes, o olfato para os odores, o gosto para os sabores, o movimento para os prazeres ou as incomodidades. Entendemos estas coisas e as temos diante dos olhos. Eles não têm razão para entender; mas têm alma que anima o corpo, e vida manifesta. As árvores, contudo, nem isto têm. Todavia, todas as coisas louvam a Deus. Por que louvam a Deus? Porque quando as vemos e consideramos o Criador que as fez, delas brota em nós o louvor de Deus; e ao ser louvado Deus pela consideração delas todas, todas elas louvam a Deus. O salmista, então, iniciou pelo céu. Todos os seres louvam e ele diz: “Louvai”. Por que diz: “Louvai”, se eles louvam? Porque fica contente pelo fato de que eles louvam e apraz-lhe acrescentar uma exortação, por sua vez. Assim acontece se observas alguns trabalhando com alegria num serviço bom, seja na vinha, ou na messe, ou em qualquer obra no campo. Agrada-te o que eles fazem e os estimulas: Fazei, agi. Não falas assim para que comecem a operar, mas porque te agrada o que os encontras a fazer, e acrescentas tua congratulação e exortação. Ao dizeres: Fazei, exortando-os a agir, pelo voto como que trabalhas com eles. Com exortação semelhante o profeta, cheio de Espírito Santo, proferiu estas palavras. | |
§ 4 | O salmo é “de Ageu e Zacarias”. Assim o título. Estes dois profetas, por ocasião do cativeiro do povo em Babi-lônia, profetizavam já o futuro fim do cativeiro para se restaurar a cidade de Jerusalém, que caíra durante a guerra (cf Esd 5,1.2; 6,14). Simbolizavam em mistério a vida futura, onde louvaremos a Deus após o cativeiro da vida presente. Ali haverá a renovação daquela grande cidade de Jerusalém, pela qual, estando longe como peregrinos, suspiramos, ainda presos sob o peso e a carga do corpo mortal; ainda gememos na peregrinação, exulta-remos, porém, na pátria. Quem, contudo, não geme como peregrino, não se alegrará como cidadão, porque não tem desejos. Por conseguinte, estes santos profetas ofereceram então grande consolo ao povo cativo segundo a carne, isto é, estabelecido em Babilônia, sob o domínio de reis estrangeiros. A profecia, pois, mostrava que viria o tempo da libertação do cativeiro, da restauração de Jerusalém. Mas tudo isso acontecia em figura (cf 1Cor 10,6); tem a sua realidade. Nos antigos foram estas coisas figuradas, em nós mostram-se presentes. E agora, que diz o Apóstolo? “Enquanto habitamos neste corpo, estamos longe do Senhor” (2 Cor 5,6). Ainda não estamos na pátria. Quando estaremos na pátria? Quando triunfarmos, tendo vencido o diabo inimigo, quando for destruído o último inimigo, a morte. “Então cumprir-se-á a palavra da Escritura: A morte foi absorvida na vitória. Morte, onde está a tua vitória? Morte, onde está o teu aguilhão?” (1 Cor 15,26.54.55). Quando, portanto, não haverá mais qualquer combate da parte da morte, como agora, o qual nos leva a gemer devido às falhas e mutabilidades das coisas, à fragilidade da carne humana? Atacam-nos cotidianamente tentações, atacam-nos cotidianamente prazeres; embora não consintamos, todavia sofremos mal-estar, e lutamos, e o combatente corre grande perigo de ser vencido; se vencemos, não consentindo, sofremos aflição, resistindo aos deleites. O inimigo não cessa, não morre, exce-to por ocasião da ressurreição dos mortos. Mas presumamos, confiemos. Ageu e Zacarias nos animam; cantam a futura libertação nossa. Se cantaram para aquele povo e se cumpriu; cantam para o povo cristão e não se realiza? Ficai tranqüilos; somente acautelai-vos acerca do modo de agir na peregrinação desta vida. Não vos agrade o amor de Babilônia, não vos esqueçais de Jerusalém. Apesar de corporalmente estardes presos ainda em Babilônia, vosso coração se antecipe a chegar a Jerusalém. Por conseguinte, louve toda a criação ao Senhor, pois lá haveremos de fazer aquilo que na terra previamente fazemos. | |
§ 5 | “Louvai ao Senhor do alto dos céus, louvai-o nas alturas”. Primeiro refere-se aos céus, em seguida à terra. É o Deus que fez o céu e a terra que é louvado. Os seres celestes são tranqüilos, pacificados; ali o gáudio é contínuo, não há morte, nem doença alguma, nem mal-estar algum. Os bem-aventurados sempre louvam a Deus. Nós, porém, ainda estamos na terra; mas ao pensarmos como ali Deus é louvado, tenhamos lá o coração e não escutemos inutilmente: Corações ao alto! Elevemos nossos corações, a fim de que não apodreçam na terra. Apraz-nos o que os anjos ali fazem. Agora, em esperança; depois na plena realidade, quando lá chegarmos. “Louvai-o”, portanto, “nas alturas”. | |
§ 6 | 3.5 “Louvai-o, todos os seus anjos, louvai-o todas as suas potestades. Louvai-o sol e lua, louvai-o estrelas todas e a luz. Louvai-o céus dos céus e águas que estão acima dos céus. Louvem o nome do Senhor”. Quando o salmista poderá explicar, enumerando todas as coisas? Contudo, sumariamente abrangeu quase tudo, todos os seres celestes que louvam o seu Criador. | |
§ 7 | E como se alguém lhe dissesse: Porque o louvam? Que lhe devem, que lhes conferiu, para que o louvem? Continua: “Porque ele disse e foram feitas, ele ordenou e foram criadas”. Não é de admirar que as obras louvem o operador, que os artefactos louvem o artífice, que as criaturas louvem o Criador. Ali Cristo também foi nomeado, e quase não ouvimos seu nome. Quem é Cristo? “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. No princípio, ele estava com Deus. Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito” (Jo 1,1-3). Por meio de quem? Do Verbo. Como o salmo mostra que foram feitas todas as coisas por meio do Verbo? “Ele disse e foram feitas, ele ordenou e foram criadas”. Ninguém diz, ninguém manda, a não ser pelo Verbo. | |
§ 8 | 6 “Estabeleceu-as pelos séculos e pelos séculos dos séculos”. Todas as realidades celestes, todas as superiores, todas as potestades e anjos, uma determinada cidade do alto, boa, santa, feliz, de onde estamos distantes como peregrinos e por isso ainda somos infelizes; e para onde estamos voltando, felizes em esperança; e onde, depois de voltarmos, seremos felizes realmente. “Estabeleceu-as pelos séculos e pelos séculos dos séculos. Traçou uma lei que não passará”. Que preceito julgais terem recebido os seres celestes e os santos anjos? Que preceito lhes impôs Deus? Qual, a não ser o de o louvarem? Felizes aqueles cuja ocupação consiste em louvar a Deus. Não aram, não semeiam, não moem, não cozinham. Esses trabalhos são impostos pela necessidade; e lá não existe necessidade. Não roubam, não depredam, não adulteram. Tais atos pertencem à iniqüidade presente; ali não existe iniqüidade. Eles não partem o pão para quem tem fome, não vestem o nu, não recebem o peregrino, não visitam o doente, não apaziguam o litigioso, não sepultam o morto. Estas são obras de misericórdia; ali não há miséria que necessite de misericórdia. Oh! Felizes! Julgamos que também nós seremos assim? Vamos, suspiremos, gemamos com suspiros. E que somos para estarmos lá? Mortais, expulsos, abjetos, terra e cinza. Mas aquele que prometeu é onipotente. Se olharmos para nós, que somos? Se para ele, é Deus, é onipotente. Não pode transformar um homem em anjo, aquele que fez o homem do nada? Ou, na verdade, Deus considera o homem um ser insignificante, se por causa dele quis que morresse o Filho Único? Observemos o indício de seu amor. Recebemos tal penhor da promessa de Deus; temos a morte de Cristo, temos o sangue de Cristo. Quem morreu? O Filho Único. Por causa de quem ele morreu? Oxalá fosse por causa dos bons, dos justos. Mas, então? Diz o Apóstolo: “Cristo morreu pelos ímpios” (Rm 5,6). Quem doou sua morte em prol dos ímpios, que há de reservar aos justos, a não ser a sua vida? Erga-se, portanto, a fragilidade humana; não desespere, não se choque, não se aparte, não diga: Não serei eu. Foi Deus quem o prometeu; veio para prometer; apareceu aos homens, veio assumir nossa morte, prometer sua vida. Veio até a região de nossa peregrinação, receber aqui o que existe aqui fartamente: opróbrios, flagelos, bofetadas, escarros na face, injúrias, coroa de espinhos, suspensão no madeiro, cruz, morte. De tais coisas há fartura em nossa região; veio para tal comércio. Que deu e o que recebeu? Deu exortação, deu doutrina, deu remissão dos pecados; recebeu injúrias, morte, cruz. Trouxe-nos bens de sua região e em nossa região suportou os males. No entanto, prometeu-nos estarmos no futuro ali de onde veio; e disse: “Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estou, também eles estejam comigo” (Jo 17,24). Houve previamente tamanho amor! Esteve conosco onde nós estávamos; estaremos nós com ele lá onde ele está. Que prometeu Deus, ó homem mortal? Que haverás de viver eternamente. Não crês? Crê, crê. É muito mais o que ele já fez do que aquilo que ainda prometeu. Que fez ele? Morreu por ti. Que te prometeu? Que viverás com ele. É muito mais incrível que tenha morrido aquele que é eterno do que viver eternamente um ser mortal. Já temos o que é incrível. Se Deus morreu por causa do homem, este não haverá de viver com Deus? O ser mortal não haverá de viver eternamente, se por ele morreu aquele que eternamente vive? Mas como Deus morreu, e onde? E Deus pode morrer? Assumiu de tua natureza um corpo que morresse por ti. Somente a carne poderia morrer; apenas um corpo mortal poderia morrer. Revestiu-se de um corpo a fim de morrer por ti, e te revestirá daquilo que te permitirá viver com ele. Como se revestiu do que é mortal? Através da virgindade de sua mãe. Como te revestirá da vida? Pela igualdade com o Pai. Escolheu aqui um tálamo casto, onde o esposo se unisse à esposa. O Verbo se fez carne (cf Jo 1,14) para se tornar Cabeça da Igreja. Pois, o Verbo em si não é parte da Igreja; porém no intuito de se tornar Cabeça da Igreja, assumiu a carne. Alguma coisa do que é nosso já está no alto, que ele recebeu aqui na terra, onde morreu, onde foi crucificado. Já te precederam tuas primícias, e ainda duvidas que hás de segui-las! | |
§ 9 | 7 Conseqüentemente, volte-se para louvores na terra aquele que convidou ao louvor as coisas celestes: “Da terra, louvai ao Senhor”. Mais acima, como começou? “Louvai ao Senhor do alto dos céus”, e enumerou os seres celestes; agora ouve falar dos terrestres. “Dragões e todos os abismos”. Abismos são as profundezas das águas: os mares todos, o ar coberto de nuvens pertencem aos abismos. Toda a região onde estão os ventos, as tempestades, as chuvas, os raios, os trovões, o granizo, a neve e tudo o que Deus quer que advenha à terra, partindo do ar úmido e escuro, a toda ela o salmista denominou terra, porque é excessivamente mutável e mortal; a não ser que julgues que chova em cima das estrelas. Tudo isto sucede perto da terra. Às vezes, os homens no cume dos montes vêem as nuvens abaixo de si e não raro chover. Os que observam atentamente tudo isso, que acontece devido a perturbações atmosféricas, verificam que isso se dá nas partes inferiores da terra. Ora, a esta região tenebrosa, isto é, o ar, como a um cárcere, está condenado o diabo, que caiu, com seus anjos, dos coros dos anjos superiores; diz o Apóstolo a respeito dele: “Conforme o Príncipe do poder do ar, o espírito que agora opera nos filhos da desobediência” (Ef 2,2). E outro apóstolo diz: Com efeito, se Deus não poupou os anjos que pecaram mas lançou-os nos abismos tenebrosos do tártaro, onde estão guardados à espera do juízo (2 Pd 2,4); denominou-o inferno, porque é a parte inferior do mundo. Não penses no que o diabo recebeu, e sim no que perdeu. Vê as qualidades de todos esses seres: mutáveis, perturbados, terrríveis, corruptíveis; todavia, têm seu lugar próprio, têm sua ordem, preenchem a beleza do universo a sua maneira, e assim louvam ao Senhor. O salmista, pois, voltando-se para eles, numa espécie de exortação aos mesmos, contudo, é antes a nós que ele exorta, a fim de que considerando-os, louvemos o Senhor (pois louvam a Deus, quando fazem brotar o louvor a Deus, ao serem contempladas), começou a dizer: “Da terra, louvai ao Senhor, dragões e todos os abismos”. Os dragões vivem perto da água, partem de cavernas, elevam-se no ar; eles o agitam. São grandes animais os dragões; não há maiores sobre a terra. Por isso, o salmista começou dizendo: “Dragões e todos os abismos”. Existem, de fato, grutas com águas ocultas, de onde vêm as fontes, de onde procedem os rios. Uns aparecem, correndo sobre a terra; outros fluem debaixo da terra; e todo esse conjunto, esta natureza úmida das águas, junto com o mar e a parte inferior do ar, chamam-se abismo, ou abismos. Aí vivem os dragões e louvam a Deus. Como? Pensamos que os dragões formam coros e louvam a Deus? De forma nenhuma. Mas, vós, ao contemplardes os dragões, notai o artífice dos dragões, o Criador dos dragões; e admirando-os, dizeis: É grande o Deus que fez estas coisas. Os dragões louvam a Deus, por intermédio de vossas vozes: “Dragões e todos os abismos”. | |
§ 10 | 8 “Fogo, granizo, neve, gelo, ventos poderosos que executam a sua palavra”. Por que acrescentou: “que executam a sua palavra?” Muitos estultos que não conseguem contemplar e distinguir as criaturas em seus lugares e em sua ordem, e que executam seus movimentos a um sinal ou uma ordem de Deus, parece-lhes que Deus governa os seres superiores, contudo despreza, rejeita, abandona os inferiores, e não cuida deles, não os governa, nem rege; são levados ao acaso, como podem, por onde podem. E convencem os que dizem a si mesmos (que não o digam a ti, isto é, não consintas, ao ouvires seu modo de falar; são palavras blasfemas e abomináveis diante de Deus): Se Deus é quem manda a chuva, faria chover sobre o mar? Que providência é esta? Seca na Getúlia e chuva sobre o mar. Parece-lhe uma opinião engenhosa. Replica-lhes: A Getúlia ao menos sofre com a seca; e tu, que nem sentes sede! Seria ótimo que falasses a Deus: “Como terra sem água minha alma está diante de ti” (Sl 142,6). Outro salmo traz claramente: “De ti a minha alma está sequiosa e de quantas manerias também a minha carne” (Sl 62,20). E o Senhor no evangelho: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados” (Mt 5,6). Quem disputa desta forma já está saciado; pensa ser douto, não quer aprender, portanto não tem sede. Se tivesse sede, desejaria aprender; e descobriria que na terra tudo se realiza segundo a providência de Deus. Admiraria até a disposição dos membros de uma pulga. V. Caridade, preste atenção. Quem dispôs os membros da pulga e do mosquito, dando-lhes ordem peculiar, vida própria, movimento próprio? Observa apenas um animal-zinho miúdo, à tua escolha. Considera a ordem de seus membros, a vida que o anima e move; como foge espontaneamente da morte, ama a vida, deseja os prazeres, evita as incomodidades, emprega os diversos sentidos, movimenta-se de forma conveniente a si! Quem deu ao mosquito o aguilhão com o qual suga o sangue? Quão tênue é a fístula por onde sorve! Quem dispôs estas coisas? Quem os fez? Pasmas diante destes seres minúsculos. Louva aquele que é grande. Guardai esta fé, meus irmãos; ninguém vos roube a fé e a sã doutrina. Aquele que criou o anjo no céu, fez na terra o vermezinho; mas o anjo no céu, para a habitação celeste, e o vermezinho na terra para a habitação terrestre. Teria porventura feito o anjo para arrastar-se na lama e o vermezinho no céu? Distribuiu os habitantes conforme as respectivas moradias; deu uma habitação incorruptível para a incorrupção, e para os seres corruptíveis preparou lugares corruptíveis. Atende ao todo, louva o todo. Aquele que dispôs os membros do vermezinho, não governa as nuvens? E por que faz chover sobre o mar? Como se não houvesse no mar animais que a chuva nutre; como se ali não tivesse feito os peixes, ali não tivesse colocado outros animais. Observai como os peixes acorrem para a água doce. E por que, diz ele, cai a chuva para os peixes, e para mim por vezes não chove? A fim de que reflitas que te achas numa região deserta, na peregrinação da vida; e seja-te amarga a vida presente, e aneles pela futura; ou para seres afligido, castigado e corrigido. Como, então, distribui o que é adequado às regiões? Eis que falamos sobre a Getúlia; ali chove quase a ano todo, e o ano todo dá trigo; aqui o trigo não se conserva, logo se estraga, porque dá o ano todo. Lá, dá raramente, mas dá muito e conserva-se duramente muito tempo. Acaso pensas que lá Deus abandona os homens, ou eles, de acordo com sua alegria, não louvam e glorificam a Deus? Tira dali um getulo, e coloca-o no meio destas árvores amenas; procura fugir daqui e voltar para a terra desnuda da Getúlia. Deus, portanto, distribuiu e des-tinou a cada qual seu lugar, sua região, sua época. Seria longo fazer mais cuidadosa reflexão sobre todas as coisas. Quem o pode explicar? No entanto, quem tem olhos, vê muito; vendo, agrada-lhe; agradando-lhe, louva, não às mesmas, mas àquele que criou tudo isso. Desta forma, todas as coisas louvarão a Deus. | |
§ 11 | Refletindo assim o espírito do profeta, após dizer: “Fogo, granizo, neve, gelo, ventos procelosos”, coisas que a estultos parecem desordenadas, e levadas ao acaso, acrescentou: “Que executam a sua palavra”. Não te pareçam movimentadas ao acaso; obedecem em todos os seus movimentos à palavra de Deus. Deus as conduz aonde quer: para cá o fogo, para lá as nuvens, a chuva, a neve, o granizo. E por que às vezes os raios ferem os montes e não atingem os ladrões? Posso dizê-lo, à medida que meu espírito o capta e que Deus me concede; os engenhos mais agudos conhecerão melhor, e entenderão mais amplamente. Deus vos conceda compreender melhor do que eu me expresso, contudo com temperança, sem soberba. Posso, então, dizer qual a meu ver, a razão por que atingem a montanha, e não o ladrão. Talvez o ladrão ainda procure a conversão; fere o monte que não teme, a fim de que se mude o homem que teme. Às vezes tu também, ao ensinares castigando, bates no chão para que a criança tenha medo. Por vezes fere o Senhor a um homem que quer. Replicas, porém: Fere um mais inocente, e deixa um mais criminoso. Não te admires. Sempre a morte é boa para o homem piedoso. Como podes saber qual o castigo ocultamente reservado àquele homem mais criminoso, se não quiser mudar? Não seria preferível serem fulminados por um raio aqueles aos quais no fim será dito: “Ide para o fogo eterno”? (Mt 25,41). O importante é seres inocente. E então? É um mal morrer num naufrágio, e é um bem mor-rer de febre? Aqui, ou ali, interroga qual é aquele que morre; para onde há de ir após a morte, e não onde sairá desta vida. Numa ocasião qualquer temos de sair daqui. Através de que tipo de morte os mártires mereceram sair daqui? Por acaso, devido a febres, como é desejo de muitos de morrerem de febre? Uns por um golpe de espada, outros pelo fogo, outros lançados às feras. E as feras devoraram os corpos dos mártires, e eles não tiveram medo de que seu corpo perecesse. De toda parte Deus há de reconduzir os corpos de seus santos, pois todos os nossos cabelos são contados (cf Mt 10,30). Quando ele quis, livrou os três jovens da fornalha (cf Dn 3,24.93); por acaso abandonou os Macabeus no fogo? (cf 2Mc 7). Àqueles ele abertamente livrou, a estes coroou ocultamente. Com efeito, Deus sabe o que faz. Tu, teme e sê bom. Seja de onde for que ele quiser que saias daqui, que ele te encontre preparado. Pois, és um inquilino (cf Sl 118,19) e não um proprietário da casa. De fato, a casa te foi alugada; esta casa é alugada, não doada. Embora não o queiras, hás de migrar. Não a rcebeste com a condição de que fosse tua por um tempo determinado. Que te disse teu Senhor? Quando eu quiser e se disser: Sai, está pronto. Tiro-te para fora da hospedaria, mas dar-te-ei uma casa. Na terra, és inquilino; serás um proprietário no céu. | |
§ 12 | Seja o que for, portanto, que acontecer aqui contra nossa vontade, deveis saber que só acontece segundo a vontade de Deus, a sua providência, por sua ordem, por seu aceno, por suas leis. Se não compreendermos por que assim age, entreguemo-lo a sua providência, que não age sem causa, e não blasfemamos. Se começarmos a discutir sobre as obras de Deus: Por que isto, porque aquilo; e: Isso não devia ser feito assim, isso é mal feito, onde fica o louvor de Deus? Perdestes a ocasião de dizer: Aleluia. Considera em tudo como hás de agradar a Deus, e louva o artífice. Se por acaso entrares na oficina de um ferreiro, não ousarás criticar os foles, a bigorna, o martelo. E se entra um ignorante que não sabe para que servem, critica tudo. Mas, se não tiver a perícia do artífice, e ao menos respeita-o, que dirá a si mesmo? Não há de ser sem motivo que os foles estão neste lugar; o artífice sabe por quê, embora eu não saiba. Na oficina não ousará criticar o ferreiro; e ousará censurar neste mundo a Deus! Efetivamente, como “fogo, granizo, neve, gelo, ventos procelosos executam sua palavra”, assim tudo o que parece desarrazoado na natureza aos estultos, apenas executam a palavra de Deus, porque não se faz senão segundo sua ordem. | |
§ 13 | 9.12 Em seguida o salmista convida a louvarem a Deus: “Montes e todas as colinas; árvores frutíferas e todos os cedros; feras e gados de toda espécie, reptéis e aves aladas”. Em seguida, dirige-se aos homems: “Reis da terra e todos os povos, príncipes e todos os juízes da terra; jovens e virgens, anciãos com meninos louvem o nome do Senhor”. Ele explicou como é o louvor no céu, como é o louvor na terra. | |
§ 14 | 13 “Porque só o seu nome é excelso”. Ninguém procure exaltar seu próprio nome. Queres ser exaltado? Submete-te àquele que não pode ser humilhado: “Porque só o seu nome é excelso”. | |
§ 15 | 14 “Sua confissão se realiza no céu e na terra”. Que significa: “Sua confissão se realiza no céu e na terra?” É ele quem confessa? Não; mas confessam-no todas as coisas, todas as coisas clamam; a beleza de todas elas de certo modo constitui sua voz a confessar a Deus. O céu clama a Deus: Tu me fizeste, e não eu mesmo. A terra clama: Tu me criaste, e não eu mesma. Como estas coisas clamam? Quando são contempladas é que isso se realiza; clamam devido a tua reflexão, clamam por meio de tua voz. “Sua confissão se realiza no céu e na terra”. Observa o céu; é belo. Olha a terra; é bela. Ambos juntos são muito belos. Foi Deus quem os fez, quem os governa, são regidos segundo seu beneplácito. Ele estabelece o tempo, instaura os momentos, por si mesmo os instaura. Por isso, todas essas coisas o louvam, quer estejam estáveis, ou em movimento, seja a terra em baixo, seja o céu no alto, seja ao envelhecerem ou numa renovação. Ao contemplares estas realidades e te regozijares, e te ergueres até o artífice, e ao tornarem-se inteligíveis as realidades invisíveis através das criaturas (cf Rm 1,20), “sua confissão se realiza no céu e na terra”, isto é, confessarás por causa dos seres terrenos, confessarás por causa dos seres celestes. E como Deus criou tudo, e nada há de melhor do que ele, tudo o que ele fez, nele se encontra e tudo o que te agrada das criaturas é menor do que ele. Por conseguinte, não te agrade a criatura de tal forma que te afastes do criador; e se amas o que ele fez, ama muitos mais aquele que o fez. Se são belas as criaturas, quanto mais formoso o Criador? “sua confissão se realiza no céu e na terra”. | |
§ 16 | “E exaltou o poder de seu povo”. Eis o que profetizavam Ageu e Zacarias. Agora o humilde poder de seu povo acha-se no meio de tribulações, tentações, de batidas no peito; quando exaltará “o poder de seu povo?” Quando vier o próprio Senhor e nascer nosso sol. Não este sol visto por nossos olhos, e que se levanta sobre bons e maus (cf Mt 5,45); e sim aquele do qual foi dito: “Mas para vós que temeis a Deus, brilhará o sol de justiça, que tem a cura em seus raios” (Ml 3,20). Dele hão de dizer os soberbos e os ímpios: “A luz da justiça não brilhou para nós, para nós não nasceu o sol” (Sb 5,6). Será este o nosso verão. Agora, no inverno, não se vêem frutos; só a raiz. Notas como as árvores ficam quase secas no inverno. Quem não sabe, pensa que a videira secou; e talvez esteja perto de uma que na verdade secou. No inverno ambas são semelhantes: a que está viva e a que morreu. Tanto a vida quanto a morte delas está oculta. Vem o verão. A vida de uma aparece e manifestasse a morte da outra. Revela-se a beleza das folhas, a fecundidade dos fruto. Reveste-se exteriormente a videira daquilo que tem nas raízes. Assim, irmãos, agora somos tais quais os demais homens: de maneira igual a eles os santos nascem, comem, bebem, vestem-se, passam esta vida. Algumas vezes, a aparência engana e diz-se: ele se tornou cristão; acaso não tem dor de cabeça? Ou pelo fato de ser cristão que tem a mais do que eu? Ó videira seca, vês junto de ti uma videira despojada de folhas no inverno, mas não esta seca. O verão há de vir, virá o Senhor, nossa honra, escondida na raiz; e então “exaltará o poder de seu povo”, depois do cativeiro da mortalidade em que vivemos. Daí afirmar o Apóstolo: “Por conseguinte, não julgueis prematuramente, antes que venha o Senhor. Ele porá às claras o que está oculto nas trevas. Então cada um receberá de Deus o louvor que lhe for devido” (1 Cor 4,5). Mas perguntas: Onde está minha raiz? Onde está o meu fruto? Se acreditas, sabes onde se acha tua raiz. Está onde se encontra a tua fé, tua esperança, tua caridade. Escuta o Apóstolo: “Pois morrestes”. Pareciam mortos, no inverno. Escuta que eles vivem: “E a vossa vida está escondida com Cristo em Deus”. Eis onde tens a raiz. Quando, então, ficarás ornado honrosamente? Quando terás a fecundidade dos frutos? Escuta como ele continua: “Quando Cristo, que é a vossa vida se manifestar, então vós também com ele sereis manifestados em glória” (Cl 3,3.4) “E exaltará o poder de seu povo”. | |
§ 17 | “Cantem hinos todos os seus santos”. Sabeis o que é hino? É um cântico com louvor a Deus. Se louvas a Deus sem canto, não é hino. Se cantas e não louvas a Deus, não é hino; se louvas outra coisa não pertencente ao louvor de Deus, apesar de cantares louvores, não é um hino. O hino, pois, consta de três coisas: canto, louvor, de Deus. Portanto, louvor a Deus com cântico chama-se hino. Que significa então: “Cantam hinos todos os seus santos?” Seus santos comecem um hino, cantem um hino; aquele que começarão no fim será um hino eterno. Por isso, diz outro salmo: “O sacrifício de louvor me glorificará e ali está o caminho em que lhe mostrarei a salvação de Deus” (Sl 49,23). E: “Felizes os que habitam em tua casa. Louvar-te-ão pelos séculos dos séculos” (Sl 83,5). É isto que significa: “Cantem hinos todos os seus santos”. Quem são os seus santos? “Os filhos de Israel, o povo que lhe é familiar”. Ninguém diga: Não sou filho de Israel. Não julgueis que os judeus são filhos de Israel e nós não somos filhos de Israel. Ouso dizer-vos, meus irmãos: eles é que não são e nós é que somos. Ouvi a razão: porque é mais importante o que nasceu segundo o espírito do que o nascido segundo a carne. De onde se origina Israel? De Abraão; porque Isaac nasceu de Abraão, Israel nasceu de Isaac. Como foi que Abraão agradou a Deus? “Acreditou Abraão em Deus, e isto lhe foi levado em conta de justiça” (Rm 4,3). Todo aquele que imita Abraão é filho de Abraão; quem degenerar, perdendo a fé de Abraão, perde sua filiação de Abraão. Os judeus degeneraram: perderam. Nós o imitamos: encontramo-lo. Escuta como eles perderam. Que lhes respondeu o Senhor quando afirmavam: “Somos a posteridade de Abraão?” Ousaram ostentar-se e levantar a cabeça por causa da nobreza da raça do justo. E que lhes replicou o Senhor? “Se sois filhos de Abraão, praticai as obras de Abraão” (Jo 8,33,39). Se eles, portanto, perderam o privilégio de serem filhos de Abraão, nós o encontramos para sermos filhos de Abraão. Crendo encontramos o que eles perderam por não acreditarem; porque “acreditou Abraão em Deus, e isto lhe foi levado em conta de justiça” (cf Gl 3,16). A posteridade de Abraão é Cristo e nós estamos em Cristo; de Israel veio o povo e do povo de Israel veio Maria, de Maria Cristo, e em Cristo estamos nós; portanto, somos filhos de Israel. E que acrescentou o salmista para nos distinguir? “Os filhos de Israel, o povo que lhe é familiar”. Notai os judeus; se eles se aproximam de Deus, eles são Israel. Talvez se aproximem, responde-me alguém. Diariamente também eles cantam salmos, cantam hinos a Deus. Não ouvistes o que lhes disse o profeta? “Este povo se chega a mim com palavras, e me glorifica com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” (Is 29,13). Se seu coração está longe, o nosso coração está próximo, porque acreditamos, esperamos, amamos, estamos unidos a Cristo, e tornamo-nos seus membros; acaso os membros estão longe da cabeça? Se estivessem longe, e divididos, não teria dito o Senhor: “Eis que estou convosco até a consumação dos séculos” (Mt 28,20). Se estiverem separados, a Cabeça não diria do céu: “Saulo, Saulo, por que me persegues”? (At 9,4). Se não estivesse em nós, não diria: “Tive fome e me destes de comer”, e quando eles lhe perguntaram: “Quando foi que te vimos com fome? respondeu: Toda vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,35.37.40). Eis o povo de Israel que se aproxima do Senhor. E com ele, nós agora em esperança, depois na plena realidade. | |