ORAÇÃO ⁜ SALMO DA BÍBLIA № 137 | ||
§ 137:1 | Ʝ Junto aos rios de Babilônia, ali nos assentamos e nos pusemos a chorar, recordando-nos de Sião. | |
§ 137:2 | Ɲ Nos salgueiros que há no meio dela penduramos as nossas harpas, | |
§ 137:3 | ᵽ pois ali aqueles que nos levaram cativos nos pediam canções; e os que nos atormentavam, que os alegrássemos, dizendo: Cantai-nos um dos cânticos de Sião. | |
§ 137:4 | ɱ Mas como entoaremos o cântico do Senhor em terra estrangeira? | |
§ 137:5 | ᶊ Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, esqueça-se a minha destra da sua destreza. | |
§ 137:6 | Ɑ Apegue-se-me a língua ao céu da boca, se não me lembrar de ti, se eu não preferir Jerusalém à minha maior alegria. | |
§ 137:7 | Ł Lembra-te, Senhor, contra os edomitas, do dia de Jerusalém, porque eles diziam: Arrasai-a, arrasai-a até os seus alicerces. | |
§ 137:8 | Ɑ Ah! filha de Babilônia, devastadora; feliz aquele que te retribuir consoante nos fizeste a nós; | |
§ 137:9 | ᵮ feliz aquele que pegar em teus pequeninos e der com eles nas pedra. | |
O SALMO 137 | ||
SERMÃO 💬 | ||
§ 1 | 1 O título deste salmo é breve e simples, e não nos deterá, pois sabemos de quem Davi era figura. Nele reco-nhecemo-nos também a nós, porque também somos membros do corpo de Cristo. Reconheçamos, pois, aqui, a voz da Igreja, e simultaneamente alegremo-nos por termos merecido estar no meio daquela cuja voz ouvimos neste cântico. O título inteiro é: “Do mesmo Davi”. Vejamos, portanto, por que se refere a Davi. | |
§ 2 | “Confesso-te, Senhor, de todo o meu coração”. O título de um salmo costuma indicar-nos o assunto do salmo. Este título, não indica isso, mas somente para quem é cantado. O assunto de todo o salmo vem anunciado no primeiro versículo: “Confesso-te, Senhor, de todo o meu coração”. Ouçamos, pois, esta confissão. Mas primeiro lem-bro-vos que a palavra confissão nas Escrituras, quando confessamos a Deus, costuma ter dois sentidos: confissão dos pecados, e de louvor. Mas todos notam quando se trata de confissão dos pecados; quanto à confissão de louvor, são poucos os que a percebem. Com efeito, é tão conhecida a confissão dos pecados, que logo se ouve em alguma passagem das Escrituras: “Eu te confesso, Senhor”; ou: “Nós te confessamos”, pelo hábito de entender assim, as mãos se apressam a bater no peito, a tal ponto os homens não entendem confissão a não ser dos pecados. Mas teria sido o próprio Senhor nosso, Jesus Cristo, um pecador, pois diz no evangelho: “Eu te confesso, ó Pai, Senhor do céu e da terra?” Continuou dizendo porque confessava, para compreendermos que se trata de confissão de louvor e não de pecados. “Eu te confesso, ó Pai do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e doutores e as revelaste aos pequeninos” (Mt 11,25). Louvou ao Pai, louvou a Deus, porque ele não despreza os humildes, mas despreza os soberbos. Também aqui, neste salmo, ouviremos tal confissão de louvor a Deus e de gratidão. “Quero confessar-te, Senhor, de todo o meu coração”. Deposito todo o meu coração no altar de tua confissão, ofereço-te o holocausto de louvor. Chama-se holocausto o sacrifício em que se queima toda a vítima. De fato em grego a palavra holon corresponde em latim ao termo: todo. Vê como oferece um holocausto espiritual aquele que diz: “Quero confessar-te, Senhor, de todo o meu coração”. A chama de teu amor queime todo o meu coração. Nada reste para mim, nem como olhar para mim mesmo, mas inteiramente me consuma por ti, arda totalmente em ti, inteiramente te ame, inflamado por ti. “Quero confessar-te, Senhor de todo o meu coração, porque ouviste as palavras de minha boca”. A que “boca” se refere senão a do coração? É dali que saem as vozes que Deus escuta e que ouvidos humanos não percebem, absolutamente. Certamente clamavam os acusadores de Suzana, e não elevavam os olhos ao céu; ela se calava, mas clamava com o coração. Por isso ela mereceu ser atendida e eles, serem punidos (cf Dn 13,34ss). Existe, portanto, uma boca em nosso íntimo; ali rogamos, dali rogamos; e se preparamos uma hospedagem ou uma casa para Deus, ali falamos e ali somos ouvidos. Ele, de fato não está longe de cada um de nós. Nele vivemos, nos movemos e somos (cf At 17,27.28). Somente a iniqüidade te leva para longe de Deus. Derruba a parede do pecado que se interpõe, e estarás junto daquele a quem rogas. “Ouviste as palavras de minha boca. Quero confessar-te”. | |
§ 3 | “Eu te entoarei salmos na presença dos anjos”. Não será na presença dos homens que te entoarei salmos, e sim na presença dos anjos. Saltério meu, minha alegria! Mas a minha alegria devido a bens inferiores se dá na presença dos homens; minha alegria sobre bens superiores, se expande na presença dos anjos. O ímpio desconhece a alegria do justo: “Para os ímpios não há alegria, diz o Senhor” (Is 48,22; 57,21). O iníquo alegra-se com a bebida, o mártir com as cadeias. Como se alegrava esta Crispina cuja solenidade celebramos hoje3? Alegrava-se quando era aprisionada, quando era levada ao juiz, quando metida no cárcere, quando comparecia amarrada, quando era levantada na cama de ferro, quando julgada, quando condenada; em todas estas ocasiões ela se alegrava. E os infelizes tinham na conta de infeliz aquela que se alegrava na presença dos anjos. | |
§ 4 | 2 “Prostrar-me-ei em teu santo templo”. Qual é o teu templo santo? É o lugar em que habitaremos e onde adoraremos. Acorremos para adorar. Nosso coração está para dar à luz e procura onde. Que lugar é este onde Deus deve ser adorado? Que mundo? Que edifício? Enfim, qual a sede no céu, no meio das estrelas? Procuramos nas Sagradas Escrituras e o encontramos nas palavras da Sabedoria: “Eu estava com ele; eu era o seu encanto todos os dias”. Narra suas obras e expõe-nos qual a sua sede. Qual? “Quando condensava as nuvens no alto e separava seu trono acima dos ventos” (Pr 8,30.27.28). Sua sede, porém, é seu templo. Para onde, então, iremos? Vamos adorá-lo acima dos ventos? Se deve ser adorado acima dos ventos, as aves nos vencem. Se, porém, interpretamos que ventos representam as almas, isto é, pelo nome de ventos são designadas as almas, conforme certa passagem das Escrituras: “Voou com as asas dos ventos” (Sl 17,11), isto é, acima das forças da alma: daí ser denominada a alma: sopro de Deus, vento; mas não como o vento que percebemos quando nos impele. O termo está assinalando algo de invisível, que os olhos não podem ver, os ouvidos não podem perceber, o olfato não pode indicar, o paladar não pode provar, as mãos não podem tocar. Com efeito, trata-se da vida que nos torna seres vivos, e é denominada alma, se entendermos isto acerca desta espécie de ventos, não há necessidade de procurarmos asas visíveis, a fim de voarmos como as aves, para adorarmos no templo de Deus. Ao contrário, descobriremos que somos o trono onde Deus se assenta, se quisermos ser do número de seus fiéis. Vede se não é assim. Diz o Apóstolo: “O templo de Deus é santo e esse templo sois vós” (1 Cor 3,17). Certamente, é manifesto, Deus habita nos anjos. Por isso, quando em nossa alegria acerca de bens espirituais e não de terreno, assumimos um cântico dedicado a Deus, e salmodiamos na presença dos anjos, a própria assembléia dos anjos é templo de Deus, e adoramos no templo de Deus. Existe uma Igreja embaixo, na terra, e uma Igreja no alto; a Igreja terrena é constituída por todos os fiéis, a Igreja no alto, por todos os anjos. Mas, o Senhor dos anjos desceu à Igreja na terra, e os anjos o serviram enquanto ele próprio nos servia (cf Mt 4,11). Não vim “para ser servido, mas para servir” (cf Mt 20,28), disse ele. E o que ele nos serviu, senão aquilo que hoje também nós comemos e bebemos? Uma vez que o Senhor dos anjos nos serviu, não percamos a esperança de que seremos iguais aos anjos. Pois, é maior do que os anjos aquele que desceu para junto dos homens. O Criador dos anjos assumiu a humanidade, o Senhor dos anjos morreu pelos homens. “Prostrar-me-ei em teu santo templo”; entendo teu templo, não feito por mãos humanas, mas que tu o mesmo fizeste para ti. | |
§ 5 | “E confessarei teu nome pela tua misericórdia e tua verdade”. Por estes dois motivos confessaremos; com efeito, assim se lê em outro salmo: “Todos os caminhos do Senhor são misericórdia e verdade” (Sl 24,10). Por estes dois motivos confessamos: “pela tua misericórdia e tua verdade”. Olhaste com misericórdia para o pecador, e por tua verdade cumpriste o que prometeste. Confessar-te-ei “pela tua misericórdia”, portanto, e por “tua verdade”. De-volvo-te, na medida de minhas forças, o que me deste, praticando a misericórdia e a verdade: a misericórdia ao socorrer, a verdade ao julgar. Por meio delas Deus nos ajuda, e por elas temos merecimento diante de Deus. Com razão, portanto, “todos os caminhos do Senhor são misericórdia e verdade”. Não existem outros caminhos para ele vir até nós, nem outros caminhos para irmos até ele. | |
§ 6 | “Porque sobre todas as coisas exaltaste o teu nome santo”. Que congratulação é esta, meus irmãos? Ele exaltou seu nome santo sobre Abraão. Pois, “acreditou Abraão em Deus, e isto lhe foi levado em conta de justiça” (cf Gn 15,6; Rm 4,3). Todas as demais nações imolavam aos ídolos, serviam os demônios. De Abraão nasceu Isaac; Deus foi exaltado sobre aquela casa; daí originou-se Jacó; Deus foi exaltado. Ele disse: “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó” (Ex 3,6). Foi a origem dos doze filhos, do povo de Israel que foi libertado do Egito, conduzido através do mar Vermelho, exercitado no deserto, e instalado na terra da promissão, após a expulsão daqueles povos. O nome do Senhor foi exaltado sobre Israel. Além disso, deste povo saiu a Virgem Maria, dela nasceu o Cristo Senhor, que morreu por causa de nossos pecados, e ressurgiu para nossa justificação (cf Rm 4,25), encheu o Espírito Santo os fiéis, e mandou fosse anunciado pelas nações: “Convertei-vos, porque o reino dos céus está próximo” (Mt 3,2). E assim sobre todas as coisas ele exaltou seu santo nome. | |
§ 7 | 3 “Em qualquer dia em que eu te invocar, atende-me prontamente”. Por que: “prontamente?” Porque tu disseste: Enquanto ainda falares te direi: “Eis-me aqui!” (Is 58,9). Por que: “prontamente?” Porque já não peço felicidade ter-rena. O Novo Testamento ensinou-me um santo desejo. Não peço terra, nem fecundidade carnal, nem saúde temporal, nem sujeição dos inimigos, nem riquezas, nem honrarias. Nada disso peço; por isso “atende-me prontamente”. Visto que ensinaste o que devo pedir, dá o que peço. Digamos-lhe: Pedes tal coisa? Ouçamos, profira sua petição e vejamos o que pede: com ele aprendamos a pedir a fim de merecermos receber. Vieste à igreja, para pedir hoje não sei o quê. Que pensamos que vieste pedir? Vinhas com teu desejo, não sei qual, talvez inocente, apesar de carnal. Mas remove a iniqüidade, afasta tudo o que é carnal. Aprende o que pedir, atento ao que hoje deves celebrar. Celebras o dia natal de uma santa e bem-aventurada mulher, e talvez estejas desejando felicidade terrena. Ela, por causa de um santo desejo abandonou a felicidade que tinha na terra; deixou os filhos a chorar, e a lamentar a mãe como se fosse cruel, e tivesse perdido a misericórdia humana, apressando-se a obter a coroa divina. No entanto, ela não sabia o que devia desejar, o que calcar? Ao contrário; sabia salmodiar na presença dos anjos de Deus, desejar sua companhia, sua santa e pura amizade, lá onde não haveria mais de morrer, onde encontraria um juiz perante o qual nada valia a mentira. E então? Naquela vida não existe bem algum? Absolutamente não; ali só existem bens, não há mal misturado com eles. Alegrar-te-ás com toda a segurança que podes ambicionar, e ninguém te dirá: Modera-te. Aqui na terra, porém, não é fácil alegrar-se por causa dos bens terrenos. É muito perigoso que te apegues a esta alegria, e ao te alegrares pereças. Qual a razão por que Deus mistura tribulações às alegrias da terra, senão para que sentindo a tribulação e as amarguras, aprendamos a desejar a eterna suavidade? | |
§ 8 | Que é, portanto, que o salmista pede? Vejamos por que razão ele disse: “Atende-me prontamente”. Que pedes para seres atendido prontamente? “Multiplicar-me-ás”. Multiplicação tem muitos sentidos. Existe a multiplicação da geração terrena, de acordo com a primeira bênção concedida à nossa natureza, e que já ouvimos: “Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a” (Gn 1,28). É assim que queria multiplicar-se aquele que dizia: “Atende-me prontamente?” Efetivamente, esta multiplicação é proveitosa, e provém da bênção do Senhor. E agora, que dizer de outras multiplicações? Alguém se multiplica pelo ouro, pela prata, pelos rebanhos, pela família, pelas propriedades, por todas as coisas. Muitas são as multiplicações terrenas. A mais feliz é, porém, a dos filhos. Embora aos avaros a própria fecundidade seja incômoda. Receiam tornarem-se pobres seus filhos, se nascerem muitos. Este cuidado impeliu a muitos a serem impiedosos, a ponto de esquecerem que eram pais, e se despojarem de todo afeto humano, expondo seus filhos, e deixando-os a estranhos. Expõe a mãe os filhos que gerou, recolhe aquela que não gerou. Uma despreza e a outra ama; a primeira em vão é mãe carnal, a segunda é mãe com mais verdade pela boa vontade. Sendo, portanto muitas as formas de multiplicação, muitas as espécies de multiplicação, qual a que procura aquele que disse: “Atende-me prontamente?” Pois, ele disse: “Multiplicar-me-ás”. Aguardemos para ouvir em quê. Escuta, portanto: “em minha alma”. Não em minha carne, mas “em minha alma. Multiplicar-me-ás em minha alma”. Será necessário acrescentar alguma coisa para não se pensar que multiplicação na alma não signifique logo felicidade? Multiplicam-se também as preocupações na alma do homem. Parece que fica multiplicado na alma o homem cujos vícios se multiplicaram. Um é apenas avaro, outro apenas soberbo, outro só luxurioso; este é avaro, soberbo e luxurioso; multiplicaram-se os vícios em sua alma, mas para seu mal. Esta multiplicação é atinente à carência, não à fartura. Então que desejas, tu que disseste: “Atende-me prontamente”, e te afastaste de tudo o que é corporal, de todas as coisas terrenas, de todo anelo mundano, para dizeres a Deus: “Multiplicar-me-ás em minha alma?” Explica melhor o que desejas. Multiplicar-me-ás em minha alma pelas virtudes”. Voto expresso, desejo expresso, livre de qualquer confusão. Se dissesse: “Multiplicar-me-ás”, poderias pensar em não sei qual bem terreno; acrescentou: “em minha alma”. E ainda, a fim de não julgares que se trata de vícios na alma, prossegue: “pelas virtudes”. Nada mais precisas pedir a Deus, se queres repetir com boa vontade e sinceridade: “Atende-me prontamente”. | |
§ 9 | 4 “Todos os reis da terra, Senhor, te celebrem”. Assim sucederá, assim acontece e diariamente acontece. Evidencia-se que não foi dito em vão, exceto que era futuro. “Celebrem-te, Senhor, todos os reis da terra”. Mas, eles ao te celebrarem, ao te louvarem, não estão esperando obter de ti bens terrenos. Pois, que haveriam os reis da terra de desejar? Já não possuem o império? Que poderia ainda o homem desejar na terra? Seu desejo vai até alcançar o império. Que pode obter mais? Seria necessária sublimidade maior. Mas talvez quanto mais alta, tanto mais perigosa. Por isso, os reis da terra quanto mais se acham numa posição terrena sublime, tanto mais devem humilhar-se diante de Deus. Por quê? “Porque ouviram todas as palavras de tua boca!” Ó Senhor, “todas as palavras” de tua boca! Em certo povo estavam escondidos a lei e os profetas, “todas as palavras de tua boca”. Mas, somente no povo judaico se achavam todas as palavras de tua boca. Louvando este povo, disse o Apóstolo: “Que vantagem há então em ser judeu? E qual a utilidade da circuncisão? Muita, e sob todos os pontos de vista. Em primeiro lugar, porque foi a eles que foram confiados os oráculos de Deus” (Rm 3,1.2). Entre eles se encontravam as palavras de Deus. Mas pensemos em Gedeão, aquele santo varão do tempo dos juízes; vede que sinal pediu ao Senhor: “Eis que colocarei um tosão de lã na eira; o orvalho caia somente sobre o tosão e a eira fique seca”. E assim se fez. O orvalho caiu somente sobre o tosão, e só a eira ficou seca. De novo ele pediu um sinal: Toda a eira se cubra de orvalho e só o tosão fique seco. E assim se fez: a eira ficou coberta de orvalho, e o tosão ficou seco (Jz 6,36-40). Que vos parece, irmãos, que seja a eira? Não será o orbe da terra? Que é o tosão? Seria o da terra no meio do povo judaico que tinha o sacramento da graça, não manifestamente, mas oculto de maneira nebulosa encoberto como o orvalho no tosão. Veio o tempo em que o orvalho se revelasse na eira; manifesto, não escondido. Fez-se, portato, o que disse o versículo: “Todos os reis da terra, Senhor, te celebrem, porque ouviram todas as palavras de tua boca”. Que é, Israel, que escondias? Por quanto tempo escondias? O tosão foi espremido e saiu de ti o orvalho. A suavidade do orvalho se encontra apenas em Cristo. Não reconheces somente a ele nas Escrituras, que foram escritas por causa dele. Ao invés, “todos os reis da terra, Senhor, te celebrem, porque ouviram todas as palavras de tua boca”. | |
§ 10 | 5 “E cantem nos caminhos do Senhor, porque é grande a glória do Senhor”. Os reis da terra cantem nos caminhos do Senhor. Em que caminhos? Aqueles mencionados mais acima: “Pela tua misericórdia e tua verdade, porque todos os caminhos do Senhor são misericórdia e verdade” (Sl 24,10). Os reis da terra, portanto, não sejam soberbos; sejam humildes. Cantem nos caminhos do Senhor, se são humildes; amem e cantarão. Já notamos os viajantes que cantam; cantam e apressam-se a chegar. Existem as canções ruins pertencentes ao velho homem; mas o cântico novo pertence ao homem novo. Andem, portanto, também os reis da terra em teus caminhos, andem e cantem em teus caminhos. O que cantarão? “Porque é grande a glória do Senhor”, e não a dos reis. 3 Cf Com s/sl. CXX,13 (Serm. post Maurinos repert. Ed. Morin, pg 595,5 et 14). | |
§ 11 | 6 Vê como quer o salmista que os reis cantem, humildemente carregando o Senhor, e não se exaltando contra o Senhor. Pois se eles se exaltarem, qual a conseqüência? “Excelso é o Senhor e baixa o olhar sobre os humildes”. Querem os reis que ele os olhe? Sejam humildes. Como? Se eles se exaltaram com soberba, podem se esconder de seus olhos? Não acontece que tendo ouvido: “baixa o olhar sobre os humildes”, procures ser soberbo, dizendo a tua própria alma: Deus olha os humildes, não me olha; farei o que quero. Quem me vê? Ao homem está oculto e Deus não quer me ver, porque não sou humilde e ele baixa olhar para o humilde; faço o que quero. Ó importuno, por acaso falarias assim se soubesses o que deves amar? De fato, se Deus não quer te ver, não tens medo disso mesmo, que não quer te ver? Se saúdas um patrono importante, e verificas que não te dá atenção, como não sentirás? Se, porém, é Deus que não te vê, consideras-te em segurança? O Salvador não te vê, e vê-te o depredador. Entretanto, o próprio Deus te vê. Não julgues que não te vê; ao contrário, reza para mereceres ser visto por aquele que te vê. Pois, disse o salmo: “Os olhos do Senhor estão inclinados para os justos”. Uma vez que não está sobre os injustos, façam então os injustos o que querem: “Os olhos do Senhor estão inclinados para os justos”. Continua o salmo: “E os ouvidos, atentos as suas preces” (Sl 33,16). Por conseguinte, os injustos que se consideravam seguros, porque os olhos do Senhor não estavam inclinados para eles, não temem, visto que os seus ouvidos não estão atentos as suas preces? Não é melhor que estejam os seus olhos sobre nós, e seus ouvidos estejam atentos as nossas preces? Mas ao praticares ações sobre as quais não queres que estejam os olhos do Senhor, não merecerás que seus ouvidos estejam atentos a tuas preces. Fazendo o mal, contudo, não evitas o olhar do Senhor. Qual a conseqüência disto? “Mas a face do Senhor volta-se contra os malfeitores”. Com que finalidade? “Para apagar da terra a lembrança deles” (Sl 33,17). Queres ser visto? Vês que não podes ficar escondido? Se tudo o que fazes é visto, porque não ages de forma a mereceres agradar? Portanto, que se acha no salmo? “Porque é grande a glória do Senhor. Excelso é o Senhor e baixa o olhar sobre os humildes”. Seria como se não olhasse as coisas elevadas, pois “baixa o olhar sobre os humildes”. Que faz com “os soberbos? Vê de longe os soberbos”. Que consegue, portanto, o soberbo? Que seja olhado de longe e não que não seja visto. Não deves considerar-te em segurança, porque ele não te vê muito bem, uma vez que te vê de longe. Com efeito, tu não enxergas bem o que vês de longe. Deus, apesar de te ver de longe, vê perfeitamente, mas não está contigo. O resultado do que fazes não é que ele te veja menos bem, e sim que não estejas com aquele que te vê. E o humilde, o que obtém? “O Senhor está perto dos corações contritos” (Sl 33,19). O soberbo, portanto, se exalte quanto quiser; certamente Deus habita no alto, Deus está no céu. Queres que se aproxime de ti? Humilha-te. Pois estará tanto mais distante de ti quanto te exaltares: “Mas vê de longe os soberbos”. | |
§ 12 | 7 “Se eu andar no meio das tribulações hás de vivificar-me”. É verdade. Em qualquer tribulação que te encontrares, confessa, invoca; ele te libertará, te vivificará. Mas, talvez devamos aqui entender algo de melhor, que nos faça aderir a Deus mais intimamente e dirigir-lhe a prece: “Atende- me prontamente”. O salmista havia afirmado: “Mas de longe vê os soberbos”. E os soberbos que se exaltam desconhecem a tribulação. Não conhecem, digo, a tribulação mencionada em outra passagem: “Encontrei a tribulação e a dor e invoquei o nome do Senhor (Sl 114,3). Que há de extraordinário se a tribulação te encontrar? Se podes alguma coisa, tu mesmo vás ao encontro de tribulação. Mas, respondes, quem é que encontra a tribulação? Ou quem será mesmo que a procure? Estás no meio da tribulação e não sabes? Esta vida presente é pequena tribulação? Se não é tribulação, também não é peregrinação. Se, porém, é peregrinação, ou amas muito pouco a pátria, ou sem dúvida alguma sentirás a tribulação. Quem é que não se aflige por não estar com aquele que deseja? Mas por que não descobres esta tribulação? Porque não amas. Ama a outra vida, e verás que a vida presente é tribulação. Por mais brilhante que seja a prosperidade, por mais que abundem as delícias ao redor de nós, quando ainda não chegou aquela alegria certíssima sem tentação alguma, que Deus nos reserva para o fim, indubitavelmente estamos em tribulação. Por isso, compreendamos esta tribulação, irmãos. “Se eu andar no meio das tribulações, hás de vivificar-me”. Ele não está dizendo: Se me advier qualquer tribulação, libertar-me-ás. Como, então? “Se eu andar no meio das tribulações hás de vivificar-me”, isto é, não me vivificarás de outra maneira senão se eu andar no meio das tribulações. “Se eu andar no meio das tribulações hás de vivificar-me. Ai de vós, que agora rides; bem-aventurados vós, que agora chorais” (Lc 6,25.21). “Se eu andar no meio das tribulações hás de vivificar-me”. | |
§ 13 | “E contra a ira dos meus inimigos estendeste a mão e salvou-me a tua destra”. Enfureçam-se os inimigos. Que podem fazer eles? Tirar dinheiro, espoliar, proscrever, exilar, torturar com dores e tormentos; finalmente, se lhes for permitido, matar; acaso podem mais que isso? “Tu, porém, Senhor, contra a ira dos meus inimigos estendeste a mão”, contra o mal que podem fazer-me os inimigos, tu estendeste tua mão. Os inimigos não podem separar-me de ti; tu, porém, preparas maior vingança, porque adias acolher-me: “Contra a ira dos meus inimigos estendeste a mão”. Enfureça-se quanto puder o inimigo, que não me separará de Deus. Tu, porém, Senhor, ainda não me recebes, ainda me afliges na peregrinação, ainda não me ofereces tua alegria e suavidade; ainda não me inebriaste com a abundância de tua casa, ainda não me deste de beber da torrente de tuas delícias. Pois em ti está a fonte da vida e na tua luz contemplamos a luz (cf Sl 35,9.10). Mas eis que tenho as primícias do espírito, acreditei em ti, e me submeto pelo espírito à lei de Deus; no entanto ainda gememos interiormente, suspirando pela redenção de nosso corpo, esperando a adoção (cf Rm 7,25; 8,23). Depois que pecamos, Deus nos deu esta vida, onde Adão deve ser oprimido, trabalhando com o suor de seu rosto, mas a terra produz espinhos e cardos (cf Gn 3,18.19). Acaso algum inimigo pôde causar mal maior? “Contra a ira dos meus inimigos estendeste a mão”; mas não é para se desesperar. Pois continua o versículo: “E salvou-me a tua destra”. | |
§ 14 | Pode-se entender também do seguinte modo a palavra: “Contra a ira dos meus inimigos estendeste a mão”. Os inimigos se encolerizavam, mas me vingaste contra meus inimigos. “O pecador verá e se irritará. Rangerá os dentes e se consumirá (Sl 111,16). Onde estão os que diziam: Desapareça o nome dos cristãos da terra? Certamente ou morrem ou se convertem. Por conseguinte, “contra a ira dos meus inimigos estendeste a mão”, enquanto se dizia o que foi escrito: “Amaldiçoam-me os inimigos: Quando há de morrer e de extinguir-se o seu nome”? (Sl 40,6). Quando se apagará da terra o nome dos cristãos? Ao falarem deste modo, uns acreditaram, outros morreram, poucos ficaram timidamente. Com que violência os inimigos se enfureciam quando se derramava o sangue dos mártires? Como pensavam que apagavam da terra o nome dos cristãos! “Contra a ira dos meus inimigos estendeste a mão e salvou-me a tua destra”. Eis que os perseguidores dos mártires agora procuram os monumentos dos mártires, ou para ali adorarem, ou para se embriagarem; seja como for, procuram-nos: “Contra a ira dos meus inimigos estendeste a mão e salvou-me a tua destra”. Conforme meu desejo, “salvou-me a tua destra”. Existe, de fato, uma salvação à direita; pois há outra, à esquerda. A salvação temporal e carnal é à esquerda; a salvação eterna em companhia dos anjos, é à direita. Por isso, Cristo que já se encontra na imortalidade, está sentado à direita de Deus (cf Mc 16,19). Com efeito, Deus não tem em si mesmo direita ou esquerda; mas chama-se direita de Deus aquela felicidade que não se revela a nossos olhos e tem tal nome. Tu me salvastes por esta tua direita e não segundo a salvação temporal. Efetivamente, Crispina foi morta; mas por acaso Deus a abandonou? Não a salvou pela esquerda, mas pela direita. Quantos tormentos padeceram os Macabeus (cf 2Mc 7,3). Os três jovens andando no meio da fornalha bendiziam a Deus (cf Dn 3,24). A salvação dos primeiros era pela direita, a dos segundos também salvação, mas pela esquerda. Deus, por vezes não salva seus santos pela esquerda, mas sempre os salva pela direita. Pois, os perseguidores de Crispina, tinham saúde corporal; ela foi morta e eles vivem. A incolumidade deles é pela esquerda, a salvação dela pela direita. “E salvou-me a tua destra”. | |
§ 15 | 8 “Senhor, retribuirás por mim”. Eu mesmo não retribuo; tu retribuirás em meu lugar. Os inimigos enfureçam-se quanto quiserem; tu hás de retribuir o que eu não posso retribuir. “Senhor, retribuirás por mim”. Dai atenção a nossa Cabeça. Ele nos deixou um exemplo, para seguirmos as suas pegadas. “Ele não cometeu nenhum pecado; mentira nenhuma foi achada em sua boca. Quando injuriado, não revidava (dizia: Senhor, retribuirás por mim) ao sofrer, não ameaçava, antes, punha a sua causa nas mãos daquele que julga com justiça” (1Pd 2,21-23). Que significa: “Senhor, retribuirás por mim?” Disse ele: “Não procuro a minha glória há quem a procure e julgue” (Jo 8,50). “Não façais justiça por vossa conta, diz o Apóstolo, caríssimos, mas dai lugar à ira, pois está escrito: A mim pertence a vingança, eu é que retribuirei, diz o Senhor (Dt 32,35; Rm 12,19). Senhor, retribuirás por mim”. | |
§ 16 | Outro modo de interpretar não é desprezível, e talvez seja preferível. “Senhor, Cristo, retribuirás por mim”. De fato, se eu restituir será porque roubei; tu pagaste com algo que não roubaste: “Senhor, retribuirás por mim”. Observa-o a retribuir por nós. Vieram os cobradores do tributo; cobravam o tributo com didracmas, isto é, duas dracmas por cabeça. Aproximaram-se do Senhor, para que pagasse o tributo; ou melhor, não dele, mas dos discípulos e lhes disseram: “O vosso mestre não paga o tributo?” Eles levaram a pergunta ao mestre, que respondeu: “De quem recebem os reis da terra tributos? Dos seus filhos ou dos estranhos? Replicaram: Dos estranhos. Então lhes disse: Logo, os filhos estão isentos. Mas, para que não os escandalizemos, disse a Pedro: Vai ao mar e joga o anzol. O primeiro peixe que subir, segura-o e abre-lhe a boca. Acharás aí um estáter, isto é, duas didracmas. O estáter é um peso que vale quatro dracmas. “Acharás aí; entrega-o a eles por mim e por ti” (Mt 17,23-26). “Senhor, retribuirás por mim”. Com razão temos o primeiro peixe apanhado no anzol, preso pelo anzol; o primeiro que sobe do mar, o primogênito dentre os mortos. Em sua boca encontramos duas didracmas, isto é, quatro dracmas; em sua boca encontramos os quatro evangelhos. Libertam-nos estas quatro dracmas dos impostos deste mundo; por meio dos quatro evangelhos não continuaremos a ser devedores, pois ali todos os nossos pecados são perdoados. O Senhor, portanto, retribuiu por nós; demos graças a sua misericórdia. Ele nada devia; não pagou por si, mas por nós. Disse ele: “O príncipe deste mundo vem; contra mim, ele nada pode”. Que significa: “Contra mim nada pode?” Não encontrará em mim pecado algum; não tem o que matar em mim. Mas para que todos saibam que “faço como o Pai me ordenou, levantai-vos! Partamos daqui” (Jo 14,30.31). Que quer dizer: “Levantai-vos! Partamos daqui?” Não sofro obrigado, mas voluntariamente, pagando o que não devo: “Senhor, retribuirás por mim”. | |
§ 17 | “Senhor, a tua misericórdia é eterna”. Que teria eu desejado? Não o dia dos homens, não tive dificuldade em te seguir, senhor, “e não desejei o dia dos homens, tu o sabes” (Jr 17,16). Eis que a mártir, santa Crispina, se desejasse o dia dos homens, negaria a Cristo. Viveria aqui por mais tempo, mas não viveria eternamente. Preferiu viver eternamente a viver um pouco mais no tempo. Enfim, “Senhor, a tua misericórdia é eterna”. Não quero me libertar somente por algum tempo. “A tua misericórdia é eterna”. Por meio dela livraste os mártires e para isto logo os retiraste desta vida. “Senhor, a tua misericórdia é eterna”. | |
§ 18 | “Não desprezes a obra de tuas mãos”. Senhor, não peço: Não desprezes as obras de minhas mãos; não me vanglorio de minhas obras. “Levantei, efetivamente, de noite, as minhas mãos para o Senhor e não fiquei decepcionado” (Sl 76,3). Todavia, não me refiro às obras de minhas mãos; tenho medo de que se examinares, encontres mais pecados que méritos. Rogo apenas isto, só isto menciono, somente isto desejo impetrar: “Não desprezes a obra de tuas mãos”. Pondera em mim a tua obra, não a minha; pois se consideras minha obra, condenas, se olhares a tua, coroas. Com efeito, qualquer de minhas boas obras, vem de ti, e portanto são mais tuas do que minhas, Ouço, de fato, a voz de teu Apóstolo: “Pela graça fostes salvos, por meio da fé, e isso não vem de vós, é o dom de Deus: não vem das obras, para que ninguém se encha de orgulho. Pois somos criaturas dele, criados em Cristo Jesus para as boas obras” (Ef 2,8-10). Por conseguinte, seja enquanto somos homens, seja enquanto fomos de nossa impiedade transformados e justificados, Senhor, “não desprezes a obra de tuas mãos”. | |