ORAÇÃO ⁜ SALMO DA BÍBLIA № 134 | ||
§ 134:1 | ⱻ Eis aqui, bendizei ao Senhor, todos vós, servos do Senhor, que de noite assistis na casa do Senhor. | |
§ 134:2 | ⱻ Erguei as mãos para o santuário, e bendizei ao Senhor. | |
§ 134:3 | Ɗ Desde Sião te abençoe o Senhor, que fez os céus e a terra. | |
O SALMO 134 | ||
SERMÃO AO POVO 💬 | ||
§ 1 | O convite deste salmo deve ser-nos muito agradável e alegrar-nos por sua suavidade. Assim se expressa: “Louvai o nome do Senhor”. O motivo por que é justo que louvemos ao nome do Senhor, vem logo em seguida: “Louvai, servos, ao Senhor”. Que pode haver de mais justo? De mais digno? De mais grato? Com efeito, se os servos do Senhor não o louvarem serão soberbos, ingratos, irreligiosos. E que lhes acontece se não o louvam, senão que encontrem um Senhor severo? Pois se o servo é ingrato, se não quiser louvar ao Senhor, nem por isso deixa de ser servo. Quer louves, quer não louves, és servo. Se louvares, o Senhor te será propício; se não louvares, tu o ofenderás. Esta exortação é boa, portanto, e útil. Daí vem que mais devemos nos esforçar por saber como louvar a Deus do que duvidar de que deva ser louvado. Por conseguinte, “louvai o nome do Senhor”. Exorta-nos o salmo, exorta-nos o profeta, exorta-nos o Espírito de Deus, exorta-nos por fim o próprio Senhor a que louvemos o Senhor. Ele não cresce com nossos louvores; nós é que crescemos. Deus não se torna melhor se o louvares, nem pior se o injuriares. Tu é que te tornarás melhor, louvando-o, e pior, se o injuriares. Ele permanecerá bom, como é. Pois, se ele ensina a seus servos que têm o mérito de suas boas obras, aos pregadores de sua palavra, aos pastores de sua Igreja, aos adoradores de seu nome, obedientes a seus mandamentos, a que conservem na consciência a suavidade de uma vida bem vivida e a que não se deixem corromper por louvores dos homens, nem se abatam por suas críticas, quanto mais ele próprio que é imutavelmente acima de tudo e que dá este ensinamento, não será engrandecido se o louvares, nem diminuído se o injuriares. Mas como nos é proveitoso louvá-lo, em sua misericórdia ordena-nos que o louvemos; não é por arrogância. Ouçamos, portanto, o que diz o salmo: “Louvai o nome do Senhor, louvai, servos, o Senhor”. Pois, servos, ao louvardes o Senhor, não fazeis algo de inconveniente. Mesmo se devêsseis continuar como servos apenas para sempre, deveríeis louvar ao Senhor; quanto mais deveis louvá-lo enquanto servos, a fim de merecerdes tornar-vos filhos? | |
§ 2 | 2 Mas conforme escrito em outro salmo: “Aos retos convém louvá-lo” (Sl 32,1); e ainda em outra passagem: “O louvor não é belo na boca do pecador” (Eclo 15,9); e igualmente em outro lugar: “O sacrifício de louvor me glorificará e ali está o caminho em que lhe mostrarei a salvação de Deus”, e de forma consentânea: “Ao pecador, porém, Deus diz: Por que enumeras as minhas justiças e tens na boca a minha aliança? Pois, tu detestas a disciplina e atiraste para trás as minhas palavras” (Sl 49, 23.16.7), para evitar que alguém, tendo em vista a palavra: “Louvai, servos, o Senhor”, apesar de ser nesta grande casa um mau servo, pense que o louvor do Senhor lhe é proveitoso, logo acrescenta e ensina quais devem ser os que louvam o Senhor: “Que estais na casa do Senhor, nos átrios da casa do nosso Deus. Que estais” de pé, e não que caís. Diz-se que estão de pé, os que perseveram no cumprimento de seus mandamentos, que servem a Deus com uma fé não fingida, com esperança firme e caridade sincera, honram sua Igreja, e não causam escândalo por uma vida má àqueles que desejam se aproximar, mas encontram no caminho pedras de escândalo. Portanto, “vós que estais na casa do Senhor, louvai o nome do Senhor”. Sede agradecidos. Estáveis fora, e agora estais dentro. Uma vez que estais de pé, será pouca coisa para vós, achar-vos onde louvar aquele que vos ergueu quando jazíeis prostrados, e vos fez estar em sua casa, conhecê-lo e louvá-lo? Será benefício insignificante estarmos na casa do Senhor? Visto que estamos aqui nesse ínterim, nessa peregrinação, nessa casa (que durante a peregrinação se chama também tenda) visto que aqui estamos, podemos ser gratos em pequeno grau? Não havemos de pensar que estamos aqui? Pensar o que nos tornamos? Pensar onde jazíamos, e de onde fomos recolhidos? Pensar que os ímpios não buscavam o Senhor, e este procurou os que não o buscavam, despertou os que encontrou, chamou os despertos, introduziu os chamados, e fez com que estivessem em sua casa? Quem refletir assim e não for ingrato, desprezará inteiramente a si mesmo por amor de seu Senhor, que lhe concedeu benefícios tão grandes. E como não tem com que retribuir a tão grandes benefícios de Deus, que lhe resta senão dar graças, uma vez que não os pode restituir? À ação de graças pertence tomar o cálice do Senhor e invocar seu nome. Pois, o que pode re-tribuir ao Senhor por tudo que lhe deu? (cf Sl 115,12.13). Portanto, “vós que estais na casa do Senhor, nos átrios da casa de nosso Deus, louvai o Senhor”. | |
§ 3 | 3 Que motivo vos apresentarei para louvardes? “Porque o Senhor é bom”. Brevemente, com uma só palavra foi explicado o motivo de louvor ao Senhor nosso Deus: “O Senhor é bom”. É bom, mas não apenas como são boas as coisas que ele fez. Pois Deus fez todas as coisas muito boas. Não somente boas, mas muito boas (cf Gn 1,31). O céu, a terra e todas as coisas que eles contêm, Deus as fez boas, muito boas. Se ele fez todas as coisas muito boas, como não será quem as fez? Contudo, apesar de ter feito boas todas as coisas, e o Criador seja muito melhor que todas elas, não se descobre nada de melhor a dizer sobre ele, senão “o Senhor é bom”, para quem entende como é propriamente bom aquele que fez boas todas as coisas. Pois, todas as coisas boas foi ele quem as fez, mas a ele próprio, que é bom, ninguém o fez. Ele é o bem por si mesmo, e não por participação em qualquer outro bem. É bom por si mesmo e não por aderir a outro bem. Para mim a felicidade é aproximar-me de Deus (cf Sl 72,28), porque ele de ninguém precisou para se tornar bom, mas os demais seres dele precisaram para se fazerem bons. Queres ouvir de que maneira singular ele é bom? O Senhor, uma vez foi interrogado e respondeu: “Ninguém é bom senão só Deus” (Mt 19,17). Não quero passar rapidamente sobre esta sua bondade singular, mas não sou capaz de recomendá-la convenientemente. Receio que se tratar rapidamente dela me mostre ingrato; de outro lado temo que empreendendo explicá-la, fique exausto sob o peso de tamanho louvor ao Senhor. Assim, irmãos, acolhei-me com o desejo de louvar apesar de minha incapacidade, a fim de que mesmo que não me desempenhe bem da explicação sobre o louvor, seja bem recebida a dedicação em exaltá-lo. Aprovai minha boa vontade, perdoai se não puder cumprir o meu anelo. | |
§ 4 | Sinto inefável suavidade quando escuto a palavra: “O Senhor é bom”. Depois que considero todas as coisas e corro os olhos por tudo que vejo exteriormente, porque dele tudo provém, mesmo quando tudo isso me apraz, volto àquele que as criou, a fim de entender que “o Senhor é bom”. Além disso, ao me aproximar dele quanto posso, percebo que ele ainda é mais íntimo e mais alto. Deus é bom de tal modo que não precisa de tudo isso para ser bom. Finalmente, não louvo as criaturas isoladas dele; descubro, porém que ele, sem elas, é perfeito, sem necessidades, imutável; não necessita de bem alheio para crescer, não receia mal algum que o diminua. E que direi ainda? Encontro na criação um sol bom, um céu bom, uma lua boa, estrelas boas; uma terra boa, vegetais que brotam da terra e nela lançam raízes e que são bons; animais que andam e se movem e que são bons; aves que voam nos ares, peixes que nadam nas águas e que são bons. Afirmo também que o homem é bom: “O homem bom, do seu bom tesouro” (do coração) “tira o bem” (Mt 12,35). Digo que também é bom o anjo, não o que caiu por soberba e se tornou diabo, e sim o que obedecendo, aderiu àquele que o fez. Digo que todas essas coisas são boas, mas ligada a palavra: bom, a seus nomes: céu bom, anjo bom, homem bom. Quando me refiro, contudo, a Deus, penso que nada de melhor posso dizer senão que é bom. Na verdade o próprio Senhor Jesus Cristo disse: “O homem bom”; e foi ele também que disse: “Ninguém é bom senão só Deus” (Mc 10,18). Acaso não quis estimular-nos a investigar e distinguir o que é ser bom por participação em outro bem, e bom por si mesmo? Quão grande bem aquele que torna boas todas as coisas! Não podes absolutamente encontrar algum bem que não derive do seu. Assim como é propriedade sua fazer os outros seres bons, também é propriedade sua ser o bem. Nem por isso as coisas que fez deixam de ser; é injúria a ele dizer que não existem os seres que ele fez. Pois, por que teria feito, se não existe o que ele fez? Ou o que fez, se não existe sua criatura? Sendo, portanto, as coisas que ele fez, passamos a uma comparação; e como se ele fosse o único a existir, disse: “Eu sou aquele que é”; e: “Assim dirás aos filhos de Israel: Eu sou me enviou até vós” (Ex 3,14). Ele não disse: O Senhor Deus, o onipotente, o misericordioso, o justo. Se o dissesse, diria a verdade. Deus, omitindo todos os nomes com os quais poderia ser chamado e dito, respondeu que se denominava o próprio ser. E à guisa de nome próprio, declarou: “Assim dirás: Eu sou me enviou até vós”. Ele, porém, é de tal modo que comparado a ele tudo o que ele fez não é. Sem esta comparação, as criaturas são, porque provêm dele; mas comparadas a ele, não são, porque o verdadeiro e imutável ser é somente ele. Ele é, e como o bem de todos os bens, é o bem. Ponderai e verificai que as demais coisas que louvardes, vós as louvais porque são boas. É um louco quem elogia o que não é bom. Se elogias um iníquo pelo fato mesmo de ser iníquo, não serás tu também iníquo? Se exaltas um ladrão pelo fato de ser ladrão, não participarás de suas faltas? Se louvas um justo por ser justo, não tens uma parte em sua justiça com este louvor? Pois, não o louvarias se não o amasses; não amarias, se em nada partilhasses da justiça. Se, portanto, seja o que for que louvamos, nós o fazemos porque é bom, nenhum motivo encontrarás maior, melhor, mais firme de louvar a Deus, a não ser porque ele é bom. Por isso, “louvai o Senhor porque o Senhor é bom”. | |
§ 5 | Por quanto tempo falaremos de sua bondade? Quem pode conceber ou abranger pelo coração o quanto o Senhor é bom? Mas voltemos a considerar-nos e em nós o reconheçamos, louvando nas obras o seu Criador; porque não somos capazes de comtemplá-lo. E se alguma vez formos capazes de contemplá-lo, quando nosso coração for purificado pela fé, para que por fim se alegre com a realidade plena, agora, visto que não podemos contemplá-lo, consideremos suas obras para não ficarmos sem louvar. Por isso, diz o salmo: “Louvai o Senhor porque é bom; salmodiai ao seu nome, porque é suave”. Talvez fosse bom, mas não suave, se não o pudesses prelibar. Ele de tal forma se apresentou aos homens que enviou até o pão do céu (cf Jo 6,32.51). Mandou seu Filho, igual a si, que é tudo o que ele é, para se fazer homem e morrer por eles. Assim por aquilo que és, experimentes o que não és. Já era demais para ti experimentares a suavidade de Deus; esta era muito remota, altíssima, e tu excessivamente abjeto, prostrado nas profundezas. Apesar desta enorme separação foi enviado o Mediador. Tu, homem, não podias atingir a Deus; Deus se fez homem; sendo possível a um homem aproximar-se de outro, e não de Deus, por meio de um homem alcançarias a Deus. E fez-se um só mediador entre Deus e os homens, um homem, Cristo Jesus (cf 1Tm 2,5). Mas se ele fosse apenas homem, ao seguires alguém igual a ti, jamais chegarias a Deus; se fosse somente Deus, não compreenderias o que não és, e jamais chegarias. Deus se fez homem, a fim de que seguindo um homem, o que te é possível, alcances a Deus, o que era impossível. Ele é o mediador, e assim se tornou suave. Que de mais suave do que o pão dos anjos? Como não seria suave o Senhor, se o homem comeu o pão dos anjos? (cf Sl 77,25). O homem não subsiste por alimento diferente daquele pelo qual vive o anjo. Ele é a verdade, a sabedoria, o poder de Deus; mas não podes fruir de tudo isso da mesma maneira que os anjos. Como é que eles gozam? Conforme ele é: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. Tudo foi feito por meio dele”. E tu, como o atinges? Assim: “O Verbo se fez carne, e habitou entre nós” (Jo 1,1.3.14). | |
§ 6 | Ouvi agora quais as suas obras. Tendíeis, talvez, a ver o bem de todos os bens, o bem donde se origina a bondade de todos os seres, o bem sem o qual nada é bom, e bem que é bom sem precisar de algum outro bem. Tendíeis a ver, e talvez nesse esforço de expandir a parte mais elevada de vossa mente, desfalecíeis. Suponho-o baseado em mim mesmo; sofro disso. Mas se há alguém, conforme é possível e muito possível, de engenho maior do que o meu, e que fixa o olhar de seu coração longamente naquele que é, louve quanto puder, louve como não podemos fazer. Somos agradecidos, contudo, ao salmista que neste salmo moderou seu louvor, para servir aos firmes e aos fracos. Pois, na missão que Deus deu a seu servo Moisés, dizendo-lhe: “Eu sou aquele que é”; e: “Assim dirás aos filhos de Israel: Eu sou me enviou até vós”, sendo difícil à mente humana captar propriamente o ser, e como era um simples homem que era enviado aos homens, embora não da parte de outro homem, Deus logo moderou seu louvor e falou a respeito de si mesmo o que seria possível apreender suavemente; não quis permanecer louvor inatingível para os que o louvassem. “Assim dirás aos filhos de Israel: O Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó me enviou até vós. Este é o meu nome para sempre” (Ex 3,14.15.6). Certamente, Senhor, tens um nome, pois disseste: “Eu sou; Eu sou me enviou até vós”; então, agora mudaste de nome, dizendo: “O Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó?” Não te parece que responde, dando o motivo, nesses termos: Disse: “Eu sou aquele que é” e é verdade, mas tu não captas; enquanto, o que disse: “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó”, é verdade, e tu não o entendes? Quanto a afirmar: “Eu sou aquele que é, toca-me a mim; o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó”, refere-se a ti. Se falhas no conhecimento daquilo que sou para mim mesmo, capta o que sou para ti. No intuito de evitar que alguém pensasse ser apenas seu nome para sempre o que declarara: “Eu sou aquele que é. Eu sou me enviou até vós” e ser temporária esta designação: “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó”, Deus ao afirmar: “Eu sou aquele que é”, e: “Eu sou me enviou até vós”, não teve o cuidado de acrescentar ser este o seu nome para sempre, porque mesmo sem o dizer, seria subentendido. Pois, ele é, e é verdadeiramente, e pelo fato de ser verdadeiramente, é sem início e sem termo. Relativamente ao que é por causa do homem: “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó”, para não suscitar no homem uma preocupação, de que esta designação será temporária, não eterna, tranquilizou-nos, porque ele nos conduz dos acontecimentos temporais à vida eterna. Disse: “Este é o meu nome para sempre”, não que Abraão seja eterno, eterno Isaac e eterno Jacó, mas porque Deus os fez eternos depois, sem fim: de fato, tiveram começo, mas não terão fim. | |
§ 7 | Considerai em Abraão, Isaac e Jacó a Igreja inteira, pensai em toda a descendência de Israel; toda a descendência de Israel, não apenas segundo a carne, mas também a que se origina da fé. Era aos gentios que se dirigia o Apóstolo, ao dizer: “E se vós sois de Cristo, então sois descendência de Abraão, herdeiros segundo a promessa” (Gl 3,29). Por isso, somos abençoados todos no Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó. Segundo o Apóstolo, certa árvore foi bendita, uma oliveira, os próprios santos patriarcas, de onde floresceu o povo de Deus. Mas esta oliveira foi podada, não cortada; foram tirados os ramos soberbos, o blasfemo e ímpio povo judaico. Subsistiram, porém, os ramos bons e úteis, dentre os quais os apóstolos. E tendo restado nela os ramos úteis, pela misericórdia de Deus foi enxertada também a oliveira silvestre dos gentios, aos quais exorta o Apóstolo: “E tu, oliveira silvestre, foste enxertada entre eles, para te beneficiares da seiva da oliveira. Não te vanglories contra os ramos; e se te vanglorias, saibas que não és tu que sustentas a raiz, mas a raiz sustenta a ti” (Rm 11,17.18). É uma árvore só, pertencente a Abraão, Isaac e Jacó; além disso, a oliveira silvestre enxertada pertence mais a Abraão, Isaac e Jacó do que os ramos quebrados. Estes, arrancados, já não estão na oliveira, enquanto a oliveira silvestre não estava nela e agora está. Os primeiros pelo orgulho mereceram ser tirados, estes pela humildade mereceram ser enxertados. Os outros perderam a raiz, estes a ela se prenderam. Ao ouvirdes falar de Israel de Deus, Israel pertencente a Deus, não vos considereis alheios. Efetivamente, éreis oliveira silvestre, mas agora sois da oliveira, participantes da seiva da oliveira. Quereis saber como foi enxertada a oliveira silvestre na descendência de Abraão, de Isaac e de Jacó? Não julgueis que não pertenceis a esta árvore, porque não sois carnalmente da descendência de Abraão. Quando o Senhor admirou a fé daquele centurião que não pertencia ao povo de Israel, mas era gentio, disse: “Mas eu vos digo que virão muitos do oriente e do ocidente”; eis a oliveira silvestre sob a mão do que faz a incisão: “Virão muitos do oriente e do ocidente”. Vemos o que traz para enxertar; vejamos onde vai enxertá-los: “E se assentarão à mesa no reino dos céus com Abraão, Isaac e Jacó”. Vimos o que enxertou e onde enxertou. Que diz o evangelho dos ramos soberbos naturais? “Os filhos do reino serão postos para fora, nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes” (Mt 8,11.12). Evento anunciado, evento cumprido. | |
§ 8 | 4 Por conseguinte, “salmodiai ao Senhor, porque é suave”. Atendei ao que fez por nós. “Porque o Senhor para si escolheu Jacó, Israel para sua possessão”. Louvai, salmodiai, porque fez estas coisas. Explico o que podeis apreender. Entregou as outras nações ao governo dos anjos; “o Senhor para si escolheu Jacó, Israel para sua possessão”. Fez de sua gente um campo para ele mesmo cultivar, onde ele próprio semearia; embora ele tenha criado todos os povos, entregou os outros aos anjos, e reservou este para sua posse, para que ele mesmo o conservasse; este povo, povo de Jacó. Por merecimento dele, ou pela graça de Deus? Disse ele a respeito de dois meninos ainda antes do nascimento: “O maior servirá ao menor” (Rm 9,12). Foi o Apóstolo quem assim falou. Que mérito podiam ter antes de nascerem, antes de praticarem o bem ou o mal? Por isso, Jacó não se vanglorie, não se glorie, não atribua algo a seus méritos. De antemão foi conhecido, predestinado, escolhido; não foi escolhido por seu méritos, mas foi encontrado e vivificado pela graça de Deus. Assim também todos os povos; pois que mereceu a oliveira silvestre de frutos amargos, estéril, para ser enxertada? Era uma árvore da floresta, não do campo do Senhor. Entretanto, pela misericórdia de Deus, a oliveira silvestre foi enxertada na genuína oliveira. Mas a oliveira silvestre ainda não tinha sido enxertada, quando “o Senhor para si escolheu Jacó, Israel para sua possessão”. | |
§ 9 | 5 E que diz o profeta? “Sei que o Senhor é grande”. Com a mente a voar nas alturas, elevada acima da carne, a transcender toda criatura, ela conheceu que “o Senhor é grande”. Nem todos podem conhecer pela visão; louvem o que ele fez: “é suave. O Senhor para si escolheu Jacó, Israel para sua possessão”. Daí, louva-o, pois também eu “sei que o Senhor é grande”. Falava o profeta, que entrou no santuário de Deus, que talvez tenha ouvido palavras inefáveis que não é lícito ao homem proferir (cf 2Cor 12,4); que anunciou o que é possível anunciar aos homens, e guardou para si o que não podia dizer. Por isso, ouçamo-lo no que é possível, e acreditemos no que não podemos ouvir. É-nos possível ouvir: “O Senhor para si escolheu Jacó, Israel para sua possessão”. Quanto ao que não podemos entender, creiamos, porque o salmista sabia “que o Senhor é grande”. Se lhe dissermos: Por favor, explica-nos a grandeza de Deus, acaso não nos responderia: Seria muito grande o que vejo se o puder explicar? Volte, portanto, a sua obra e nos fale. Tenha a consciência da grandeza do Senhor, que ele viu, na qual recomendou que acreditássemos, e aonde não pôde elevar nosso olhar; e enumere algumas das obras do Senhor na terra, a fim de que nós, que não podemos como ele ver a grandeza de Deus, mais facilmente apreendamos por meio de suas obras, o que for possível. Diz o salmista: “Sei que o Senhor é grande e que nosso Deus está acima de todos os deuses”. Que deuses? “Se bem que existam aqueles que são chamados deuses, quer no céu, quer na terra — e há, de fato, muitos deuses e muitos senhores —, para nós, contudo, existe um só Deus, o Pai, de quem tudo procede e para quem nós somos, e um só Senhor, Jesus Cristo, por quem tudo existe e por quem nós somos” (1 Cor 8,5.6). Os homens sejam denominados deuses. Pois, foi dito: “Deus está de pé na assembléia dos deuses. Foi dito: Eu disse: Vós sois deuses e sois todos filhos do Altíssimo” (Sl 81,1.8). Acaso Deus não está acima dos homens? Mas que importância tem estar Deus acima dos homens? Deus está também acima dos anjos; pois os anjos não fizeram a Deus, mas Deus fez os anjos; e necessariamente o próprio Criador está acima de tudo aquilo que ele fez. O salmista, ciente da grandeza do Senhor, e verificando que ele se acha acima de toda criatura, não somente corporal, mas ainda espiritual, declara: “Grande Rei acima de todos os deuses”. É o Deus supremo; acima de si não há outro deus. Enumere suas obras; estas são entendidas. | |
§ 10 | 6 “O Senhor fez tudo o que lhe aprouve no céu e na terra, no mar e em todos os abismos”. Quem pode compreender isto? Quem pode enumerar as obras do Senhor no céu e na terra, no mar e em todos os abismos? Contudo, se não podemos compreender todas as coisas, devemos crer firmemente e sustentar que quaisquer criaturas no céu, na terra, no mar e em todos os abismos foram feitas pelo Senhor, porque “o Senhor fez tudo o que lhe aprouve no céu e na terra, no mar e em todos os abismos”, conforme já dissemos. Não foi obrigado a criar tudo o que criou, mas “fez tudo o que lhe aprouve”. A sua vontade foi a causa por que fez todas as coisas. Tu fazes uma casa, porque se não quiseres faze-la, ficarás sem casa; foi a necessidade que te forçou a levantar uma casa, não a livre vontade. Fazes uma veste, porque se não a fizesses, andarias nu; és coagido a fazer a veste por necessidade e não por livre vontade. Plantas videiras no monte, espalhas sementes, porque se não o fizeres, não terás alimento. Tudo isso fazes por necessidade. Deus criou por bondade. Não precisava de coisa alguma que fez; portanto, “fez tudo o que lhe aprouve”. | |
§ 11 | Pensas que temos algo que fazemos por livre vontade? As coisas que enumeramos, nós as fazemos por necessidade, porque se não as fizéssemos, ficaríamos necessitados e desprovidos. Encontramos alguma coisa que podemos fazer por livre vontade? Certamente encontramos: quando amamos a Deus e o louvamos. Pois, isso fazes por livre vontade, quando amas aquele que louvas; não é por necessidade, e sim porque nos apraz. Daí provém que Deus é amável para os justos e santos de Deus, mesmo quando os castiga. Apraz-lhes quando desagrada a todos os iníquos. Ao se acharem sob seu flagelo, nas tribulações, nos trabalhos, nos ferimentos, na pobreza louvaram a Deus; não deixou de aprazer-lhes nem quando os atormentava. Isto é que é amar gratuitamente e não em vista de uma recompensa. Tua própria recompensa suprema será o mesmo Deus a quem amas gratuitamente; e deves amá-lo de tal modo que não deixes de desejar por recompensa aquele que é o único a te saciar, do mesmo modo que Filipe desejava, quando dizia: “Mostra-nos o Pai e isto nos basta” (Jo 14,8). Com razão, pois fazemos isto por livre vontade e devemos fazer por livre vontade, porque o praticamos de bom grado, se o praticamos por amor. Apesar de corrigidos por ele, jamais ele deve desagradar-nos, porque ele é sempre justo. Assim o afirmou o salmista, ao louvá-lo: “Em mim, ó Deus, estão os votos de louvor que cumprirei” (Sl 55,12). E em outro salmo: “Oferecer-te-ei sacrifícios espontâneos” (Sl 53,8). Que significa: “Sacrifícios espontâneos?” Sacrificar-te-ei voluntariamente. Porque diz outro salmo: “O sacrifício de louvor me glorificará” (Sl 49,28). Se fosses obrigado a oferecer ao Senhor um sacrifício grato e aceitável, como anteriormente se ofereciam sacrifícios como sombra das realidades futuras, talvez não encontrasses em teu rebanho um touro apresentável, e entre os cabritos um bode digno do altar do Senhor, nem em teu redil um cordeiro digno para vítima ofertado a teu Senhor; e sem encontrar, procurarias o que fazer e talvez dissesses a teu Deus: Queria, mas não tenho o que oferecer. Podes acaso dizer acerca do louvor: Queria louvar e não pude? O ato de querer já é louvar. Deus não procura tuas palavras, mas teu coração. Enfim, podes dizer: Não tinha língua. Se alguém emudece por doença, não teve língua para louvar, e no entanto teve como louvar. Se Deus tivesse ouvidos carnais, e precisasse do som de teu corpo, quando ficasses sem língua, ficarias sem louvor igualmente; agora, contudo, ele procura o coração, olha o coração, é testemunha de teu interior, teu juiz, que te aprova, ajuda, coroa. Basta que lhe ofereças tua vontade. Se podes, confessas com a boca para a salvação; se não podes, acreditas no coração para a justiça (cf Rm 10,10). Louvas no coração, no coração bendizes, no coração, no altar da consciência colocas vítimas sagradas. E te será dito em troca: “Paz na terra aos homens de boa vontade” (Lc 2,14). | |
§ 12 | Aquele Deus, portanto, que é onipotente: “fez tudo o que lhe aprouve no céu e na terra”. Tu, em tua casa, não fazes tudo o que queres. Ele “no céu e na terra fez tudo o que lhe aprouve”. Faze, ao menos em teu campo, tudo o que queres. Queres muitas coisas, e não podes fazer em tua casa tudo o que queres. Talvez te contradiz tua esposa, contradizem os filhos, por vezes um pequeno servo por contumácia contradiz, e não fazes o que te apraz. Mas, replicas, faço o que quero, porque se ele não obedece e contradiz, eu me vingo. Nem isso podes fazer sempre que queres. Por vezes, queres te vingar e não podes; às vezes, ameaças e antes de fazeres o que ameaças, morres. Pensemos; em ti mesmo fazes o que queres? Refreias toda a tua cupidez? Talvez refreias; podes fazer com que esses desejos não apareçam, embora os refreies? Pois certamente queres que não se insinue essa incômoda cupidez; e no entanto, “a carne tem aspirações contrárias ao espírito e o espírito contrárias à carne, de sorte que não fazeis o que quereis” (Gl 5,17). Tu, em ti mesmo, não fazes o que queres. “O Senhor nosso Deus, porém, fez tudo o que lhe aprouve no céu e na terra”. Ele te conceda a graça de fazeres em ti mesmo o que queres; sem sua ajuda nem em ti fazes o que queres. Com efeito, o Apóstolo não fazia em si o que queria: “A carne tem aspirações contrárias ao espírito e o espírito contrárias à carne, de sorte que não fazeis o que quereis”, e ele gemia por si mesmo, nesses termos: “Compraz- me a lei de Deus, segundo o homem interior; mas percebo outra lei em meus membros, que peleja contra a lei da minha razão e que me acorrenta à lei do pecado que existe em meus membros”; não somente em sua casa, nem apenas em seu campo, mas até em sua carne ou em seu espírito não realizou o que queria, clamou por Deus, que “fez tudo o que lhe aprouve no céu e na terra” e disse: “Infeliz de mim! Quem me libertará deste corpo de morte?” E o Senhor bom e suave de certo modo lhe respondeu, e ele logo acrescentou: “A graça de Deus, por Jesus Cristo Senhor nosso” (Rm 7,22.25). Amai, portanto, esta suavidade, louvai esta suavidade. Reconhe-cei a Deus que “fez tudo o que lhe aprouve no céu e na terra”. Ele também em vós fará o que quereis, realizareis vossa vontade com o seu auxílio. Mas enquanto não podeis realiza-lo, confessai; quando puderdes, dai graças, prostrados, clamai; erguidos, não vos orgulheis. Por conseguinte ele “fez tudo o que lhe aprouve no céu e na terra, no mar e em todos os abismos”. | |
§ 13 | 7 “Faz subir as nuvens dos confins da terra”. Observamos estas obras de Deus em sua criação. As nuvens vêm dos confins da terra para o meio do céu, e chove. Não sabes de onde elas vêm. O profeta o indica: “dos confins da terra”, seja do abismo, seja dos confins da redondeza da terra; ele faz surgir as nuvens de onde quer, todavia da terra. “Produz os relâmpagos com a chuva”. Pois os relâmpagos sem chuva, te aterrariam e nada te dariam. “Produz os relâmpagos com a chuva”. Aparecem os relâmpagos, tremes; chove, alegras-te. “Produz os relâmpagos com a chuva”. Ele te assusta, ele te alegra. “Tira os ventos de seus tesouros”, por meio de causas ocultas, que desconheces. Sentes que o vento sopra; qual a causa deste sopro, ou de que tesouro razoável foi tirado, não sabes. Deves, contudo, acreditar em Deus com piedade, porque o vento não sopraria se não por ordem de quem o fez, se não o produzisse aquele que o criou. | |
§ 14 | 8.12 Vemos, portanto, estas coisas na criação; louvamos, admiramos, bendizemos a Deus. Vejamos o que fez entre os homens por causa de seu povo. “Feriu os primo-gênitos do Egito”. Com efeito, foram narrados os feitos divinos amáveis e não os temíveis. Atenção. Também quando se encoleriza, faz o que quer. “Feriu os primogê-nitos do Egito, desde os homens até os animais. Operou milagres e prodígios no meio de ti, ó Egito”. Sabeis, lestes quantos sinais fez a mão do Senhor por intermédio de Moisés no Egito para aterrorizar, ferir, abater os egípcios. “Contra o faraó e todos os seus servos”. Não basta o que realizou no Egito. Que aconteceu depois que o povo foi tirado de lá? “Abateu muitas nações”, que possuíam a terra que Deus decidira dar ao seu povo. “E exterminou reis poderosos. A Seon, rei dos amorreus e a Og, rei de Basã e a todos os reis de Canaã”. Todos esses eventos que o salmo rememora brevemente, nós os lemos em outros livros do Senhor, e a mão do Senhor ali se mostra poderosa. Ao vires o que aconteceu aos ímpios, acautela-te para que não te suceda igualmente. Pois, tais coisas lhes sucederam a fim de que passes adiante, não os imites e não sofras de igual modo. Todavia, vê que o flagelo do Senhor atinge toda carne. Não penses que não és visto ao pecares, não penses que ele se descuida do que fazes, não julgues que o Senhor dorme; ao refletires, nota os exemplos dos benefícios de Deus; e ao recordares seus castigos, teme. Ele é onipotente tanto para consolar como para castigar. Por esta razão, é útil ler a narração destes fatos. Quando, porém, um homem piedoso vê o que sofre o ímpio, abstém-se de toda impiedade, para não sofrer também ele tal pena, tal castigo. Entendestes bem estas coisas. Que fez Deus em seguida? Expulsou os ímpios: “Deu a terra deles em herança, em herança a Israel seu servo”. | |
§ 15 | 13 Depois, a exultação no louvor: “Senhor, teu nome permanece para sempre”, após tudo isto que fizeste. Quais as tuas obras que vejo? Examino tua criação no céu, observo a parte ínfima em que habitamos; e daqui contemplo teus benefícios: as nuvens, os ventos, as chuvas. Considero teu povo. Tu os livraste da casa da escravidão, operaste sinais e prodígios entre seus inimigos, puniste os que os molestavam, expulsaste os ímpios de sua terra, mataste os reis deles, entregaste a terra deles a teu povo. Vi tudo isso, e enchi a boca de louvor: “Senhor, teu nome permanece para sempre”. | |
§ 16 | 6 Vemos como à letra, esses acontecimentos foram escritos, tomamos conhecimento deles, louvamos a Deus. Se, porém, assinalam ainda algo, não vos seja oneroso ouvir-me, ao explicar como posso. Assim, pelos próprios homens, posso reconhecer que ele “fez tudo o que lhe aprouve no céu e na terra”. Pois, considero céu etéreo os seres espirituais; a terra, os carnais. Desses dois, céu e terra, consta a Igreja de Deus. Aos espirituais cabe a pregação e aos carnais compete a submissão. Pois, também “narram os céus a glória de Deus e proclama o firmamento as obras de suas mãos” (Sl 18,2). Se o povo de Deus não fosse terra de Deus, não afirmaria o Apóstolo: “Vós sois o edifício de Deus, a seara de Deus. Como bom arquiteto, lancei o fundamento, outro constrói por cima” (1 Cor 3,9.10). Portanto, somos o edifício de Deus, somos o campo de Deus. “Quem planta uma vinha e não come de seu fruto”? (1 Cor 9,7). “Eu plantei, Apolo regou; mas era Deus quem fazia crescer” (1 Cor 3,6). Em conseqüência, também em sua Igreja, em seus pregadores, em seu povo, que são como céu e terra, ele fez tudo o que lhe aprouve. E não basta ter feito neles: “no mar e em todos os abismos fez tudo o que lhe aprouve”. Mares são os infiéis todos, todos os que ainda não acreditam. Neles o Senhor “fez tudo o que lhe aprouve”. E estes infiéis se enfurecem apenas quando Deus o permite; e não são castigados, quando perversos, a não ser que ordene quem criou todos os povos. Talvez se trate de mar e não de terra; estaria ele fora do poder de Deus onipotente? “No mar e em todos os abismos fez tudo o que lhe aprouve”. Quais são os abismos? Os corações dos mortais que ficam escondidos, os profundos pensamentos do homem. E como é que Deus ali faz o que quer? “O Senhor interroga o justo e o ímpio. Quem ama a iniqüidade, odeia a sua alma” (Sl 10,6). E onde o interroga? Em outra passagem está escrito: “Indagar-se-á sobre os planos do ímpio” (Sb 1,9). Escondido está o coração bom, escondido o coração mau; é um abismo tanto o coração bom, quanto o coração ruim; mas estão descobertos para Deus, a quem nada está oculto. Ele consola o coração bom, atormenta o coração malvado. Portanto, “fez tudo o que lhe aprouve no céu e na terra, no mar e em todos os abismos”. | |
§ 17 | 7 “Faz subir as nuvens dos confins da terra”. Que nuvens? Os pregadores da palavra da verdade. Em outro lugar da Escritura, irritado contra sua vinha, diz o Senhor acerca destas nuvens: “Quanto às nuvens, ordenar-lhes-ei que não derramem a sua chuva sobre ela” (Is 5,6). Não bastou ter feito subir as nuvens de Jerusalém, ou de Israel, e enviá-las a pregar seu evangelho à terra inteira; destas nuvens foi declarado: “Seu som repercutiu por toda a terra e em todo o orbe as suas palavras” (Sl 18,5). Não foi suficiente, mas conforme disse o próprio Senhor: “E este evangelho do reino será proclamado no mundo inteiro, como testemunho para todas as nações. E então virá o fim” (Mt 24,14); ele faz subir as nuvens dos confins da terra. Pois, propagando-se o evangelho, como estarão os pregadores do evangelho nos confins da terra, a não ser que o Senhor faça subir as nuvens dos confins da terra? Que faz ele destas nuvens? “Produz os relâmpagos com a chuva”. Das ameaças inclinou-se à misericórdia, do terror passou à irrigação. Como passou do terror à irrigação? Quando Deus te ameaça através do profeta e do Apóstolo, e ficas com medo, não foram os relâmpagos que te atemorizaram? Mas ao te corrigires pela penitência e reconheceres que isto é misericórdia, o terror do raio se muda em chuva. “Tira os ventos de seus tesouros”. Penso que tanto as nuvens como os ventos representam os pregadores; são nuvens devido à carne, ventos por causa do espírito. Pois, as nuvens se vêem, enquanto os ventos são sentidos, mas são invisíveis. Enfim, porque verificamos que a carne se origina da terra, “faz subir as nuvens dos confins da terra”. Exprimira de onde fez subir as nuvens; trata agora dos ventos, porque ignora-se de onde procede o espírito do homem. “Tira os ventos de seus tesouros”. Prestai-me um pouquinho de atenção e vejamos o restante. | |
§ 18 | 8 “Feriu os primogênitos do Egito, desde os homens até os animais”. Nossos primogênitos se salvem para o Senhor, porque foi ele quem nô-los concedeu. Mas, é pena dolorosa, praga muito terrível a morte dos primogênitos. Quais são os nossos primogênitos? São os nossos hábitos, no serviço de Deus. Temos como primícias a fé, de onde começamos. Foi dito à Igreja: “Virás e irás além, partindo do começo da fé” (Ct 4,8, sg LXX). Ninguém começa a viver bem, senão pela fé. Por conseguinte, a fé é nosso primogênito. Se guardamos a fé, o restante há de seguir. Os homens se purificam cotidianamente progredindo na perfeição e vivendo melhor, e assim se renova o homem interior de dia a dia, segundo a palavra do Apóstolo: “Embora, em nós, o homem exterior vá caminhando para a sua ruína, o homem interior se renova dia a dia” (2 Cor 4,16). Com isso o primogênito, a fé, vive, conforme a respeito dela fala o Apóstolo: “E não somente ela. Mas também nós, que temos as primícias do Espírito”, isto é, oferecemos a Deus as primícias de nosso espírito, isto é, a fé, como sendo nosso primogênito; “gememos interiormente, suspirando pela adoção, a redenção do nosso corpo” (Rm 8,23). Se, portanto, é grande graça de Deus conservar-se nossa fé, grande pena é morrerem os primogênitos, quando os homens, sob as tribulações da Igreja, perdem a fé. Pois, eles afligem a Igreja, quando perdem a fé; de fato, Egito significa aflição. Morrem, portanto, os pri-mogênitos de todos aqueles que afligem a Igreja, todos os que ocasionam escândalos na Igreja, apesar de se chamarem cristãos. Serão infiéis, serão vãos; têm apenas o nome e o sinal de cristãos; no coração, porém, sepultaram seus primogênitos. Chega um deles ao ponto de rir por dentro se lhe disseres algo sobre uma vida honesta, acerca da esperança da vida eterna ou do temor do fogo eterno; ou se é dos tais que ousam fazê-lo diante de ti, torce os lábios, dizendo: Quem voltou de lá? Os homens inventam o que querem. E é um cristão; mas como causa aflição, foi morto seu primogênito, morreu sua fé; e isto “desde os homens até os animais”. Irmãos, vou dizer o que penso. Entendo que por homens simbolizam-se espiritualmente os doutos, devido à alma racional própria do homem; e por animais, os ignorantes, que têm, contudo, a fé, senão não teriam primogênitos. Existem doutos que afligem a Igreja, causando cismas e heresias. Conseqüên-temente, não encontras neles a fé, porque se transformam em Egito, isto é, em aflição para o povo de Deus. Foram mortos os seus primogênitos. Arrastam após si turbas ignorantes, os animais. Enquanto a Igreja se aflige, morre a fé daqueles que a afligem: morrem os primogênitos dos doutos e indoutos, porque Deus feriu os primogênitos dos egípcios, “desde os homens até os animais. | |
§ 19 | 9 Operou milagres e prodígios no meio de ti, ó Egito, contra o faraó e todos os seus servos”. O faraó é o rei dos egípcios. Atenção a este nome; vede como Deus age. O rei é o primeiro em todos os povos. Egito significa aflição e faraó dispersão.1 A aflição, portanto, tem por rei a dispersão, porque os que afligem a Igreja, a afligem depois de dispersos. Para afligirem, se separam. Pois, o rei conduz e o povo o segue. Precede a dispersão, segue a aflição. Ouvi, ouvi estes nomes, cheios de sentido típico e de sabedoria. Entre aqueles sobre os quais Deus exerceu sua ira, não encontras um só nome que tenha significado benigno. | |
§ 20 | 10.11 “Abateu muitas nações e exterminou reis poderosos”. Narra: que reis são eles e que nações? “Seon, reis dos amorreus”. Escutai nomes pesados de sacramentos, sinais. Diz o salmista que ele matou Seon, rei dos amorreus. Matou, efetivamente; e agora mate nos corações de seus servos, e durante as provas infligidas a sua Igreja; não cesse sua mão de matar tais reis e tais povos. Com efeito, Seon significa tentação dos olhos; amorreus, provocadores. Observai se podemos entender como os provocadores têm por rei a tentação dos olhos. Tentação dos olhos só pode ser a mentira. Tem o colorido, mas falta a realidade. Que há de espantoso em que os provocadores tenham tal rei, um rei de mentira? Sem que precedam a mentira e a simulação, não existem provocadores na Igreja; provocam, porque fingem. Precede a tentação dos olhos, segue a provocação; precedeu no próprio diabo. Pois tentação dos olhos consiste em que “Satanás se transfigura em anjo de luz” (2 Cor 11,14). A mão do Senhor fira a este e àqueles; a este para que não induza à tentação, àqueles para que se corrijam. Efetivamente, aquele rei morre em todo homem que condena a simulação e ama a verdade. A mão de Deus não deixa de agir. Pois, assim como agiu à letra outrora, agora age espiritualmente, a fim de cumprir o que naquele tempo prenunciou profeticamente. Feriu também a outro rei e a seu povo: “E a Og, rei de Basã”. Também este, que malvado! Og significa conclusão; Basã se verte por confusão. É mau o rei que fecha o caminho para Deus. É o que faz o diabo; sempre opondo seus artifícios, opondo seus ídolos, opondo a si mesmo, como sendo necessário, por meio dos possessos, dos adivinhos, dos agoureiros, dos arúspices, dos magos, os mistérios dos demônios, ele fecha o caminho. Ao contrário, Cristo abre o caminho que fora fechado; alguém que fora redimido por ele, declara: “Com meu Deus escalarei a muralha” (Sl 17,30), enquanto o diabo nada faz senão impedir o caminho para que não se creia em Deus. Pois, abre-se o caminho para quem acredita em Deus, e o próprio Cristo é o caminho (cf Jo 14,6): para quem não acredita em Deus, o caminho está impedido. Se, porém, estiver impedido para os que não crêem, que resta senão, ao voltar àquele em quem não acreditavam, que sejam confundidos os incré-dulos? Por quê? Porque precede o obstáculo e segue-se a confusão. O fechamento precede, qual rei, e segue a confusão, o povo. Aqueles para os quais agora o diabo fecha o caminho a fim de não acreditarem em Cristo, quando Cristo aparecer, todos serão confundidos. As iniqüidades deles os entregarão à infelicidade. Então dirão os ímpios, cheios de confusão: “Que proveito nos trouxe” o orgulho? (Sb 5,8). Grande mistério, meus irmãos! A dispersão é rei da aflição; são dispersos para serem afligidos. Grandes mistérios! A tentação dos olhos, isto é, a ilusão, rei dos pro-vocadores; falham para se tornarem provocadores. O fechamento, rei da confusão; os homens ficam impedidos de passarem à fé, e quando voltar aquele em quem acreditamos, serão confundidos. Deus feriu “a todos os reis de Canaã”. Canaã quer dizer: preparado para a humildade. A humildade é um bem, se for a humildade proveitosa; pois a humildade perversa merece castigo. Se a humildade não pudesse merecer castigo, não se teria dito: “Todo aquele que se exalta será humilhado” (Lc 14,11; 18,14). Não se trata de um benefício ser humilhado por castigo. Canaã, portanto, é soberbo. Todo ímpio, todo infiel exalta seu coração; não quer acreditar em Deus. Mas esta exaltação está preparada para ser humilhada no dia do juízo; então será humilhada, quando não o quiser. Pois, são vasos de ira, prontos para a perdição (cf Rm 9,22). Agora se exaltem, tagarelem, coloquem-se acima dos fiéis, zombem deles, blasfemem contra os cristãos. Digam: São fábulas de velhas as coisas que se contam sobre o dia do juízo. Este orgulho deles está pronto para ser humilhado. Ao voltar o juiz, de que zomba ao ser prenunciado, aquele que agora se ensoberbece, será humilhado, não para seu proveito, mas para seu castigo. Agora, porém, não se humilha, mas se prepara para ser humilhado, isto é, está preparado para a condenação, para ser vitimado. | |
§ 21 | 13 Deus, de fato, abate tudo isto; corporalmente ele abateu outrora, quando nossos pais foram retirados da terra do Egito; derruba espiritualmente agora, nem pára a sua mão, até o fim. Por isso, não penses que esse poder de Deus no passado agora cessou: “Senhor, teu nome permanece para sempre”. Isto é, tua misericórdia não cessa, não cessa tua mão pelos séculos de realizar essas coisas, que então prenunciaste figuradamente: “Estas coisas lhes aconteceram para servir de exemplo e foram escritas para a nossa instrução, para nós que fomos atingidos pelo fim dos tempos” (1 Cor 10,11). “Teu memorial, Senhor, de geração em geração”. Esta geração e mais outra geração: a geração que nos tornou fiéis, renascidos pelo batismo; e geração na qual ressurgiremos dos mortos e viveremos eternamente em companhia dos anjos. Teu memorial, Senhor, nesta geração e na outra, porque não te esqueceste agora de chamar, nem te esquecerás então de coroar. “Teu memorial, Senhor, de geração em geração”. | |
§ 22 | 14 “Porque o Senhor julgou o seu povo”. Certamente ele realizou tudo aquilo no povo judaico. Porventura permaneceram suas obras, depois que ele introduziu seu povo na terra da promissão? Com toda certeza ainda julgará: “O Senhor julgou o seu povo e será propício a seus servos”. Ele já julgou o seu povo; sem levar em conta o juízo futuro, o povo judaico foi julgado. Que quer dizer: foi julgado? Dele foram retirados os justos e ficaram os injustos. Se, contudo, estou mentindo, ou se pensa que estou mentindo, porque afirmei: Já foi julgado, que se ouça o Senhor dizer: “Para julgamento é que vim a este mundo: para que os que não enxergam, vejam, e os que vêem tornem-se cegos” (Jo 9,39). Cegaram-se os soberbos, enxergaram os humildes. Portanto, “julgou o seu povo”. Isaías se refere a este juízo: “Ó casa de Jacó, vinde, andemos à luz do Senhor”. Não basta; mas como continua o profeta? “Com efeito, tu rejeitaste o teu povo, a casa de Jacó” (Is 2,5.6). Casa de Jacó e casa de Israel se identificam; Jacó, de fato, é o mesmo que Israel. Conheceis as Letras Sagradas, e julgo que vos ocorre que Jacó viu um anjo a lutar consigo, e recebeu então o nome de Israel (cf Gn 32,28). Jacó e Israel são um só homem; uma só pessoa; uma só é a casa de Jacó e a casa de Israel, um só povo, uma só nação. É a mesma que o Senhor convida e que rejeita. Certamente, já mataste a Cristo, ó casa de Jacó; já mataste a Cristo, já meneaste a cabeça diante da cruz, já zombaste do crucificado, já disseste: “Se é Filho de Deus, desça da cruz”. E o médico rezou pelos frenéticos: “Pai, perdoa-lhes; não sabem o que fazem” (cf Mt 27,39-43; Lc 23,34.35). Sem dúvida, tudo isso já se realizou; agora, acredita naquele que mataste, bebe o sangue que derramaste. E agora, casa de Jacó, desejo que exponhas, conforme o testemunho de Isaías, o que o salmista disse aqui: “Porque o Senhor julgou o seu povo e será propício a seus servos”. Entende-se que o Senhor julgou o seu povo, separando bons dos maus, fiéis dos infiéis, apóstolos dos judeus mentirosos. Foi o que assinalou por meio do profeta, segundo eu começara a expor, nesses termos: “Após teus males todos, ó casa de Jacó, vinde, andemos à luz do Senhor”. Por que vos digo eu: “Vinde, andemos à luz do Senhor?” Não suceda que permanecendo no judaísmo, não alcanceis a Cristo. Mas, por quê? Lá Cristo não foi sempre profetizado? Mas agora ele rejeitou o “seu povo, a casa de Israel”. Vem, casa de Jacó, porque ele rejeitou “seu” povo, a casa de Jacó; vem, casa de Israel, porque o Senhor rejeitou o seu povo, a casa de Israel. Qual veio, e qual foi rejeitada, a não ser que juízo consista em que “os que não enxergam, vejam, e os que vêem tornem-se cegos”? Conseqüentemente “o Senhor julgou o seu povo”. Fez uma separação e não terá encontrado ali alguns para restituir a seu reino? Sem dúvida, encontrará: “E será propício a seus servos”. Assevera o Apóstolo: “Não repudiou Deus seu povo que de antemão conhecera”. E como o comprova? “Pois eu também sou israelita” (Rm 11,1.2). Portanto, “o Senhor julgou o seu povo”, separando os bons dos maus, isto é, “será propício a seus servos”. Quais? Aqueles originários dos gentios. Pois, quantos povos vieram à fé! Quantas terras, quantos lugares desertos agora aderem! Vêm de lá não sei quantos, querem a fé. Perguntamos-lhes: Que quereis? Respondem: Conhecer a glória de Deus. Crede-me, irmãos. Ficamos admirados, contentes ao ouvirmos esta palavra da parte dos camponeses. Eles vêm não sei de onde, chamados não sei por quem. Que digo? Não sei por quem? Ao contrário, sei por quem, visto que “ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o atrair” (Jo 6,44). Eles vêm de repente da floresta, do deserto, de montanhas muito distantes e íngremes à Igreja, e a maior parte, quase todos deles, têm este pedido de verem dentro dela a Deus como mestre. Cumpre-se a Escritura, o anúncio do profeta: “E todos serão ensinados por Deus” (Jo 6,45; Is 54,13). Que desejais, perguntamos? E eles respondem: Ver a glória de Deus. “Todos pecaram e todos estão privados da glória de Deus” (Rm 3,23). Acreditam, são consagrados, pedem que para si se ordenem clérigos. Não se cumpre a palavra: “E será propício a seus servos?” | |
§ 23 | 15.17 Enfim depois de toda esta disposição e administração, o Espírito de Deus se volta a exprobrar e zombar dos ídolos, que já são ridicularizados por seus adoradores: “Os ídolos dos gentios são prata e ouro”. Uma vez que foi Deus quem fez todas as coisas, que fez no céu e na terra e tudo o que lhe aprouve, que julgou o seu povo e será propício a seus servos, que resta para um ídolo senão ser ridicularizado e não cultuado? Talvez o salmista os chamaria ídolos dos gentios para desprezarmos todos eles; diria que os ídolos dos gentios são pedra e madeira, gesso e barro? Não digo isso, pois é matéria vil; digo o que eles apreciam muito, honram muito. “Os ídolos dos gentios são prata e ouro”. Certamente o ídolo é ouro, certamente é prata; mas porque a prata brilha, porque o ouro brilha, eles têm olhos e vêem? Sendo prata, sendo ouro, talvez seja útil ao avaro, mas não é a quem tem religião; ou antes, nem mesmo ao avaro é útil e sim a quem o emprega bem, e distribuindo-o, adquire um tesouro celeste. Todavia, sendo esses metais insensíveis, por que fazeis deuses de prata e ouro? Não vedes, vós que os fabricais, que eles não vêem? (cf Sb 15,15). “Têm olhos e não verão; têm ouvidos e não escutarão; têm nariz e não cheirarão; têm boca e não falarão; têm mãos e não trabalharão; têm pés e não andarão”. O artífice, o ourives que trabalha a prata e o ouro pôde fazer tudo isso: olhos, ouvidos, nariz, boca, mãos e pés; mas não deu a visão aos olhos, nem a audição aos ouvidos, nem a voz à boca, nem o olfato ao nariz, nem o movimento às mãos, nem o andar aos pés. | |
§ 24 | 18 Ó homem, sem dúvida te rirás do que fizeste se reconheceste quem te fez. Daqueles que não conhecem a Deus, que se diz? “A eles se assemelhem os que os fabricam e todos os que neles confiam”. E acreditai-me, irmãos; neles se exprime certa semelhança com os ídolos, não em sua carne, mas no homem interior. Pois, eles têm ouvidos e não ouvem; com efeito, clama a eles: “Quem tem ouvidos, ouça” (Mt 11,15). Eles têm olhos e não vêem; têm olhos corporais, mas não possuem os da fé. Enfim, esta profecia se cumpre entre todos os povos. Notai como foi predito pelo profeta. Não menciono coisa alguma que seja alegórica ou figurada. Ouvi a profecia própria, expressa, simples, manifesta, proferida de antemão; vede-a realizada. “O Senhor será terrível contra eles”, diz o profeta Sofonias (Sf 2,11). Contra os que recusam, se rebelam, fazem mártires dos fiéis que eles matam, contudo sem o saberem: “O Senhor foi terrível contra eles”. E como? Em sua Igreja, vemos como o Senhor foi terrível contra eles. Eles queriam extinguir, matar poucos cristãos; derramaram seu sangue. Do sangue dos mártires surgiram tantos fiéis, que superaram o número dos carrascos deles. No entanto, agora procuram onde esconder seus ídolos aqueles que antes trucidavam os cristãos por causa desses ídolos. O Senhor não foi terrível contra eles? Vê se ele faz o seguinte: “O Senhor foi terrível contra eles”. E que fez o Senhor? Ele “suprimiu todos os deuses da terra; prostrar-se-ão diante dele, cada uma em seu lugar, todas as ilhas das nações” (Sf 2,11). Qual o significado disso? Fora predito? Não se cumpriu? Não se vê tal qual se lê? E os que restaram, têm olhos e não vêem; têm nariz e não cheiram. Não sentem aquele odor: “Somos o bom odor de Cristo”, segundo diz o Apóstolo, “em toda parte” (2 Cor 2,15). Que lhes adianta terem nariz, se não cheiram o tão suave odor de Cristo? Na verdade neles se realizou o que deles foi dito em toda verdade: “A eles se assemelhem os que os fazem e todos os que neles confiam”. | |
§ 25 | 19.20 Mas cada dia acontece que eles passam a acreditar devido aos milagres de Cristo Senhor, diariamente se abrem os olhos dos cegos e os ouvidos dos surdos, cheiram os narizes dos que eram insensíveis, abre-se a boca dos mudos, apertam-se as mãos dos paralíticos, corrigem-se os pés dos mancos, e destas pedras se tiram filhos de Abraão. A todos estes já se diz: “Casa de Israel, bendizei ao Senhor”. Todos são filhos de Abraão; e se dessas pedras se tiram filhos de Abraão (cf Mt 3,9), é claro que eles são mais casa de Israel, porque pertencem à casa de Israel, pertencem à descendência de Abraão, não pela carne e sim pela fé: “Casa de Israel, bendizei ao Senhor”. Mas, imagina que o salmista se refere àquela casa, que também povo é chamado de Israel; deste meio creram os apóstolos e milhares de circuncisos. “Casa de Israel, bendizei ao Senhor: casa de Aarão, bendizei ao Senhor; casa de Levi, bendizei ao Senhor”. Povos, bendizei ao Senhor, isto é “casa de israel”, em geral, chefes, bendizei ao Senhor, isto é, “casa de Aarão”; ministros, bendizei ao Senhor, isto é, “casa de Levi”. E as demais nações? “Todos os que temeis ao Senhor, bendizei ao Senhor”. | |
§ 26 | 21 Todos, portanto, em uníssono, digamos o seguinte: “De Sião seja bendito o Senhor, que habita em Jerusalém”. De Sião e de Jerusalém. Sião significa: observação; Jerusalém, visão de paz. Em que Jerusalém hás de habitar agora? Naquela que foi arruinada? Não, e sim naquela que é nossa mãe, que está nos céus, e da qual foi dito: “Mais numerosos são os filhos da abandonada do que os daquela que tem marido” (Is 54,1; Gl 4,21). Agora, portanto, o Senhor habita em Sião, porque observamos até que ele venha; agora, entretanto, vivendo na esperança, estamos em Sião. Terminado o caminho, habitaremos naquela cidade que jamais será arruinada, porque também o Senhor nela habita e a guarda. Ela é a visão de paz, a eterna Jerusalém, daquela paz, meus irmãos, que nossos lábios não podem louvar suficientemente, onde não teremos inimigo algum nem na Igreja, nem fora da Igreja, nem em nossa carne, nem em nossos pensamentos. A morte será absorvida na vitória (cf 1Cor 15,54), e nos entregaremos ao ócio de ver a Deus na paz eterna, transformados em cidadãos de Jerusalém, cidade de Deus. 1 Cf. Hier. Liber. interpret. 6,13. | |