ORAÇÃO ⁜ SALMO DA BÍBLIA № 130 | ||
§ 130:1 | Ɗ Das profundezas clamo a ti, ó Senhor. | |
§ 130:2 | ᶊ Senhor, escuta a minha voz; estejam os teus ouvidos atentos à voz das minhas súplicas. | |
§ 130:3 | ᶊ Se tu, Senhor, observares as iniqüidades, Senhor, quem subsistirá? | |
§ 130:4 | ɱ Mas contigo está o perdão, para que sejas temido. | |
§ 130:5 | Ɑ Aguardo ao Senhor; a minha alma o aguarda, e espero na sua palavra. | |
§ 130:6 | Ɑ A minha alma anseia pelo Senhor, mais do que os guardas pelo romper da manhã, sim, mais do que os guardas pela manhã. | |
§ 130:7 | ⱻ Espera, ó Israel, no Senhor! pois com o Senhor há benignidade, e com ele há copiosa redenção; | |
§ 130:8 | ⱻ E ele remirá a Israel de todas as suas iniqüidades. | |
O SALMO 130 | ||
SERMÃO AO POVO 💬 | ||
§ 1 | Recomenda-nos este salmo a humildade do fiel servo de Deus, todo o corpo de Cristo, que o canta com sua própria voz. Freqüentemente advertimos a V. Caridade, de que não se deve tomar os salmos como sendo a voz de um só cantor, e sim de todos os que pertencem ao corpo de Cristo. E como todos se acham naquele corpo, falam como se fosse um só homem; é um único homem, e são muitos. Muitos são em si mesmos, um só naquele que é um. Ele é igualmente templo de Deus, do qual diz o Apóstolo: “Pois o templo de Deus é santo e esse templo sois vós” (1 Cor 3,17), isto é, todos os que crêem em Cristo e crêem de tal modo que também o amam. Pois crer em Cristo é amá-lo e não como os demônios que não o amavam e por isso, embora acreditassem, clamavam: “Que existe entre nós e ti, Filho de Deus”? (cf Tg 2,19; Mt 8,29). Nós, ao contrário, acreditemos, mas acreditemos amando-o, e não digamos: “Que existe entre nós e ti, Filho de Deus?” Digamos antes: Nós te pertencemos, tu nos remiste. Todos, portanto, que crêem assim, são como pedras vivas, que entram na edificação do templo de Deus (1Pd 2,5); e são como madeira incorruptível, com a qual se fabricou a arca que não pôde naufragar no dilúvio (Gn 6,14). Efetivamente, este é o templo de Deus, isto é, os próprios homens, onde se reza a Deus e ele atende. Quem orar fora do templo de Deus, não será atendido quanto àquela paz da Jerusalém do alto, embora possa ser ouvido acerca de alguns bens temporais, que Deus concedeu até aos pagãos. Pois, mesmo os demônios foram atendidos quando pediram para entrar nos porcos (Mt 8,31.32). Ser atendido em relação à vida eterna é coisa diferente, e não se concede senão a quem ora no templo de Deus. Mas, de fato, ora no templo de Deus, quem ora estando na paz da Igreja, na unidade do corpo de Cristo. Este corpo de Cristo consta de muitos fiéis em todo o orbe da terra; e é atendido porque ora no templo. Pois, ora em espírito e verdade quem ora na paz da Igreja (cf Jo 4,21-24); não no templo que era figurativo. | |
§ 2 | Figuradamente o Senhor expulsou do templo aqueles que procuravam seus próprios interesses; isto é, iam ao templo para vender e comprar (cf Jo 2,15). Se, porém, aquele templo era uma figura, evidencia-se que o corpo de Cristo, verdadeiro templo de que o outro era imagem, contém misturados aqueles que compram e vendem, isto é, os que procuram os próprios interesses e não os de Jesus Cristo (cf Fl 2,21). Mas são expulsos com flagelos de cordas. A corda figura os pecados, conforme diz o profeta: “Ai dos que se apegam à iniqüidade, arrastando-a como corda comprida” (Is 5,18). Arrastam os pecados como corda comprida os que acumulam pecado sobre pecado; cometendo um, para ocultá-lo fazem outro. Da mesma forma que se faz a corda. Une-se cordão a cordão, não em fio reto, mas torcido; assim todos os atos malvados, os pecados, acumulam-se e de pecado em pecado, um unido a outro, tece-se uma longa corda. As sendas do pecador são perversas, e seus passos se desviam (cf Jó 6,18). Para que serve esta corda, a não ser para ligar o pecador de mãos e pés, a fim de ser lançado nas trevas exteriores? Lembrai-vos de que foi dito de determinado pecador no evangelho: “Amarrai-lhe os pés e as mãos e lançai-o fora, nas trevas exteriores. Ali haverá choro e ranger de dentes” (Mt 22,13). Não haveria com que ligar-lhe as mãos e os pés, se ele mesmo não tivesse feito a corda. Daí o que está escrito claramente em outra passagem da Escritura: “O ímpio é preso por suas próprias culpas” (Pr 5,22). Efetivamente, como os homens são castigados devido a seus pecados, o Senhor fez um flagelo de cordas, e com ele expulsou do templo todos os que procuravam os próprios interesses e não os de Jesus Cristo (Fl 2,22). | |
§ 3 | A voz emitida deste templo encontra-se no salmo. Neste templo, conforme disse, roga-se a Deus e ele atende à voz em espírito e verdade, não à voz corporal. Pois o templo era sombra que mostrava o que havia de vir. Ele já caiu. Caiu então, nossa casa de oração? Absolutamente não. Não foi ao templo que caiu que se deu o nome de casa de oração, da qual foi dito: “A minha casa será chamada casa de oração, para todos os povos” (Is 56,7). Ouvistes o que disse nosso Senhor Jesus Cristo: “Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos. “Vós, porém, fazeis dela um covil de ladrões” (Mt 21.12.13; Jo 2,14-16). Então, aqueles que quiseram fazer da casa de Deus um covil de ladrões, fizeram ruir o templo? Assim também aqueles que vivem mal na Igreja católica, quanto está em seu poder, querem fazer da casa de Deus um covil de ladrões; nem por isso destroem o templo. Pois, virá o tempo em que devido à corda de seus pecados serão lançados fora. Quanto ao templo de Deus, isto é, o corpo de Cristo, esta assembléia de fiéis tem uma só voz, e canta o salmo como se fosse um só homem. Já ouvimos sua voz em muitos salmos; ouçamo-la também neste. Se quisermos, será nossa voz; se quisermos, ouvimos o cantor com nossos ouvidos e cantamos em nossos corações. Se, porém, não quisermos, estaremos no templo como aqueles que compram e vendem, isto é, procuramos nossos interesses; entramos na igreja, mas não com a finalidade de procurar as coisas que agradam aos olhos de Deus. Cada um dentre vós verifique como ouve, se ouve e zomba, se ouve e coloca para trás, se ouve e canta em uníssono, quer dizer, se percebe aí a sua voz e une a voz de seu coração à voz deste salmo. No entanto, a voz deste salmo não se cala. Instruam-se os que puderem, ou antes os que quiserem; os que não querem, não atrapalhem. A humildade vos é recomendada; com ela começa o salmo. | |
§ 4 | 1 “Senhor, o meu coração não se exaltou”. Ofereceu um sacrifício. Como provamos que ofereceu um sacrifício? A humildade de coração é sacrifício. Diz-se em outro salmo: “Se quisesses um sacrifício, de certo eu o ofereceria” (Sl 50,18). Queria satisfazer a Deus por causa de seus pecados, torná-lo propício, a fim de receber o perdão dos pecados. E como que procurando como torná-lo propício, disse: “Se quisesses um sacrifício, de certo eu o ofereceria. Não te comprazes em holocaustos”. Por conseguinte, inutilmente ele procurava cordeiros ou touros, ou qualquer outra vítima, para aplacar a Deus. E então? Uma vez que Deus não se compraz nos holocaustos, mas ele não aceita sacrifícios, e se aplaca sem eles? Se não há sacrifício, nem há sacerdote. Mas, se temos um sacerdote no céu, que intercede por nós junto do Pai (cf Hb 9,12) (ele entrou uma vez por todas no santo dos santos, por detrás do véu, onde não entrava o sacerdote a não ser uma vez por ano, como figura, assim também o Senhor durante todo o tempo ofereceu-se uma só vez. Ofereceu-se, enquanto sacerdote e vítima, e entrou uma só vez no santo dos santos, e já não morre, nem a morte tem mais domínio sobre ele) (cf Rm 6,9) estamos garantidos, pois temos um sacerdote; ali ofereçamos também a vítima. Vejamos que sacrifício devemos oferecer, porque nosso Deus não se compraz nos holocaustos, conforme ouvistes do salmo. Mas este prossegue e mostra o que oferecer: “Sacrifício a Deus é o espírito contrito; ao coração arrependido e humilhado Deus não despreza” (Sl 50,19). Se um coração humilhado é um sacrifício a Deus, ofereceu um sacrifício aquele que disse: “Senhor, o meu coração não se exaltou”. Ei-lo em outra passagem oferecendo-se a Deus nesses termos: “Vê a minha humilhação e o meu labor e perdoa todas as minhas culpas” (Sl 24,18). | |
§ 5 | “Senhor, o meu coração não se exaltou, nem foram altivos os meus olhos. Não aspirei a grandezas, nem a maravilhas acima de minhas capacidades”. Seja dito e ouvido com maior clareza. Não fui soberbo, não quis fazer-me conhecido entre os homens por maravilhas; não procurei ações acima de minhas forças, para me gabar diante de homens ignorantes. V. Caridade preste-me atenção. É uma questão importante. Assim agiu Simão mago. Queria fazer prodígios acima de sua forças. Agradava-lhe mais o poder dos apóstolos do que a justiça dos cristãos. Tendo visto que pela imposição das mãos dos apóstolos e por suas orações o Espírito Santo era dado aos fiéis, e que então o milagre demonstrava a vinda do Espírito Santo, pois aqueles sobre os quais descia o Espírito Santo falavam línguas que não haviam aprendido, vendo tudo isso Simão quis fazer tais milagres e não procurar ser como eles; e sabeis que quis até comprar por dinheiro o dom do Espírito Santo (cf At 8,18-23). (Não digo que agora, o Espírito Santo não é dado, porque os fiéis não falam em línguas. Pois, então convinha que os apóstolos falassem em línguas para simbolizar as línguas de todos os povos que haveriam de crer em Cristo. Logo que se cumpriu o que era simbolizado, terminou o milagre). Simão era, pois, daqueles que entram no templo para comprar e vender; queria comprar o que se dispunha a vender. E na verdade, meus irmãos, ele era dos tais e deste modo procurava os apóstolos. O Senhor expulsou do templo os que vendiam pombas. A pomba, porém, figurava o Espírito Santo. Queria, portanto, Simão comprar a pomba e vendê-la. Veio nosso Senhor Jesus Cristo, que habitava em Pedro, e com um flagelo de cordas expulsou o péssimo mercador. | |
§ 6 | Com efeito, existem alguns que se comprazem em milagres e exigem milagres daqueles que progrediram na Igreja. Eles pensam que são perfeitos e querem fazê-los; consideram que não pertencem a Deus se não os fizerem. O Senhor nosso Deus, contudo, que sabe o que dá a cada um, a fim de conservar o conjunto de seu corpo em paz fala à Igreja, através do Apóstolo: “Não pode o olho dizer à mão: Não preciso de ti; nem tampouco pode a cabeça dizer aos pés: Não preciso de vós. Se o corpo todo fosse olho, onde estaria a audição? Se fosse todo ouvido, onde estaria o olfato”? (1 Cor 12,21.17). Por isso, irmãos, vedes como entre nossos membros cada qual tem sua função. O olho vê e não ouve; o ouvido ouve e não vê; a mão trabalha e não ouve, nem vê; o pé anda e não ouve, nem vê, nem faz o que faz a mão. Mas num corpo sadio e onde os membros não se combatem mutuamente, o ouvido vê por meio do olho, o olho ouve por meio do ouvido; nem se objeta ao ouvido que não vê, de sorte a dizer-lhe: Tu és nada, és menor; podes ver e discernir as cores, como faz o olho? O ouvido há de responder, referindo-se à unidade do corpo: Estou onde está o olho, estou no mesmo corpo; por mim mesmo não vejo, mas com o olho a que estou conjugado, eu vejo. Assim enquanto o ouvido diz: O olho vê para mim, o olho replica: O ouvido ouve para mim. O olho e o ouvido dizem: As mãos trabalham para nós. As mãos afirmam: O olho e o ouvido para nós vêem e ouvem. Os olhos, os ouvidos e as mãos dizem: Os pés andam por nós. Os membros de um só corpo ao entrarem em ação, se forem sadios e concordes, alegram-se e congratulam-se mutuamente. E se algum membro sofre algo de molesto, não o abandonam, mas compadecem-se uns dos outros (1 Cor 12,26). Uma vez que os pés no corpo estão de certo modo distantes dos olhos (pois estes estão localizados no alto da cabeça, enquanto os pés estão no ponto mais baixo), se acaso entrar um espinho no pé, acaso os olhos o abandonam? E não é o contrário, como já vimos, que todo o corpo se dobra, o homem se assenta, curva a espinha dorsal, para procurar o espinho que penetrou na planta do pé? Todos os membros fazem o que podem, para retirar o espinho que penetrara na parte ínfima e pequena. Assim também, irmãos, não é qualquer um no corpo de Cristo que pode ressuscitar um morto. Não o procure fazer, mas procure não ser discordante do corpo; porque desta forma, se o ouvido quiser ver, pode entrar em desacordo com o corpo. Pois, não pode fazer aquilo que não lhe foi dado fazer. Mas se lhe forem lançadas estas palavras: Se fosses justo, ressuscitarias um morto, conforme Pedro ressuscitou. Com efeito, os apóstolos aparentaram, usando o poder de Cristo, ter feito coisas maiores do que o próprio Senhor (cf Jo 14,12). Mas, como seria possível que os sarmentos possam mais do que a própria raiz? E então como os apóstolos parecem ter feito obras maiores do que ele? Mortos ressuscitaram a uma palavra do Senhor, enquanto a sombra de Pedro que passava ressuscitou um morto. Este prodígio parece maior do que o outro. Todavia, Cristo podia praticá-lo sem Pedro, mas Pedro só o podia em Cristo (cf At 5,15). “Sem mim, diz o Senhor, nada podeis fazer” (Jo 15,5). Quando um homem que progride na fé, ouvir essas palavras, quase como uma injúria, da parte de pagãos ignorantes, de homens que não sabem o que falam, responda em união ao corpo de Cristo: Tu que dizes: Não és justo porque não fazes milagres, poderias dizer também ao ouvido: Não estás no corpo, porque não vês (cf 1Cor 12,15.16). Ele replica: Devias fazer também tu, como Pedro fez. Mas Pedro também fez por mim, porque estou no mesmo corpo em que Pedro o fez; neste corpo posso o mesmo que ele, porque dele não estou separado; se posso menos, ele se compadece de mim e eu me regozijo com ele porque pode mais do que eu. O pró-prio Senhor clamou do céu em favor de seu corpo: “Saulo, Saulo, por que me persegues”? (At 9,4). Entretanto ninguém o tocava; mas a Cabeça clamava do céu pelo corpo que labutava na terra. | |
§ 7 | Por conseguinte, irmãos, a cada um que praticar com justiça o que pode, e não invejar outro que puder mais do que ele, mas se congratular com ele como pertencente ao mesmo corpo, competem as palavras deste salmo: “Senhor, meu coração não se exaltou, nem foram altivos os meus olhos. Não aspirei a grandezas, nem a maravilhas acima de minhas capacidades”. Diz o salmista: Não procurei o que excede minhas forças, não quis ir além, nem me engrandecer por isso. Devo recomendar-vos que vos lembreis de como deveis recear esta exaltação em vista da abundância das graças, não se ensoberbecendo por causa do dom de Deus, antes guardeis a humildade, praticando o que foi escrito: “Quanto mais fores importante, tanto mais humilha-te para achares graça diante do Senhor” (Eclo 3,20). Sempre de novo quero recomendar a V. Caridade quanto se deve temer a soberba relativamente ao dom de Deus principalmente tendo em vista que o salmo tão breve, nos permite disso falar. O apóstolo Paulo que de perseguidor tornou-se pregador, conseguiu graça mais abundante no labor apostólico do que os outros apóstolos, a fim de que Deus demonstrasse que o dom é seu e não do homem. Como os médicos costumam mostrar a profundidade de seus conhecimentos em doentes desenganados, assim nosso Senhor Jesus Cristo, nosso médico e salvador, demonstrou a grandeza de sua arte num doente já desenganado, que foi perseguidor da Igreja, de tal modo que fez dele não apenas um cristão, mas ainda um apóstolo; nem somente um apóstolo, mas conforme ele próprio diz, apóstolo que trabalhou mais que todos eles. Recebeu, portanto, a mais excelente graça (1 Cor 15,10). E podeis verificar, irmãos, que agora na Igreja vigoram mais a epístolas de São Paulo, apóstolo, do que as de seus companheiros no apostolado. Pois, os outros não escreveram, mas falaram na igreja; de fato, as que são falsamente atribuídas aos nomes deles, visto que não provêm deles, são recusadas, não são recebidas na Igreja. Outros, no entanto, que escreveram, não o fizeram tanto, nem com a mesma graça. S. Paulo que recebera grande graça e grandes dons da parte de Deus, como fala em determinada passagem? “Já que essas revelações eram extraordinárias, para eu não me encher de soberba. Atenção! Profiro uma coisa tremenda: Já que essas revelações eram extraordinárias, para eu não me encher de soberba, foi-me dado um aguilhão na carne, um anjo de Satanás para me espancar” (1 Cor 12,7). Que significa isto, meus irmãos? Para não se encher de soberba como um jovem, é espancado como um menino. E por quem? Por um anjo de Satanás. Que é isto? Diz-se que sofria de uma veemente dor corporal. Às vezes as dores corporais são provocadas por anjos de Satanás; mas eles só têm poder para tal quando recebem permissão. Pois, também o santo varão Jó assim foi provado (cf Jó 2,7). Foi permitido que Satanás o provasse, e feriu-o de tal modo que ficou cheio de podridão e de vermes. Assim foi permitido ao imundo para que o santo fosse provado. O diabo não sabe quanto bem se retira do que ele faz, mesmo quando se enfurece. Furioso entrou no coração de Judas, enfurecido entregou a Cristo, cheio de furor o crucificou; mas Cristo foi crucificado e a terra inteira foi remida. Eis que a crueldade do diabo prejudicou-o, e nos foi proveitosa. Pois, enfurecendo-se perdeu aqueles que tinha cativos; e foram redimidos pelo sangue do Senhor que ele cruelmente derramou. Se soubesse o grande dano que haveria de sofrer, não derramaria sobre a terra o preço que redimiu o gênero humano. Desta forma, portanto, de bom grado foi permitido ao anjo de Satanás que espancasse o Apóstolo; o Apóstolo, contudo, estava sendo curado. O remédio que o médico lhe aplicara era incômodo ao enfermo; ele pediu ao médico que o retirasse. Da mesma forma que o médico aplica às vísceras um forte emplastro molesto e caústico para curar aquele cujas vísceras estavam entumescidas e quando o doente começar a sentir o ardor e o tormento do remédio, pede ao médico que o retire, mas o médico consola, admoesta-o a ter paciência, porque sabe quanto é útil o medicamento que receitou, assim o Apóstolo continua, depois de ter declarado: “Foi-me dado um aguilhão na carne, um anjo de Satanás, para me espancar, tendo dito antes a razão disso: Já que essas revelações eram extraordinárias, para eu não me encher de soberba, foi-me dado um aguilhão na carne, um anjo de Satanás para me espancar. A esse respeito três vezes pedi ao Senhor que o afastasse de mim. Quer dizer: Roguei ao médico que me tirasse o emplastro incômodo que me aplicara. Mas escuta a voz do médico: Respondeu-me, porém: Basta-te a minha graça, pois é na fraqueza que a força manifesta todo o seu poder (2 Cor 12,7-9). Sei que remédio apliquei, sei qual a tua doença, sei como te curar. | |
§ 8 | Se, portanto, caríssimos irmãos, o apóstolo Paulo poderia se encher de soberba por causa das revelações extraordinárias, se não fosse o anjo de Satanás que o espancava, quem pode estar seguro a respeito de si mesmo? Parece que anda com maior segurança quem recebeu menos, mas se não procurar perversamente obter o que não recebeu de maneira certa; pergunte de que necessita para estar no corpo de Cristo, ou para não estar nele mal colocado. Acha-se mais garantido no corpo um dedo sadio do que um olho remelento. O dedo é uma parte pequenina; o olho é um órgão magnífico, e pode muito; no entanto é melhor ser dedo e sadio do que ser olho e turvar-se, inflamar-se, cegar. No corpo de Cristo ninguém procure outra coisa senão ser sadio. De acordo com a saúde tenha a fé; pela fé purifica-se o seu coração, e pela pu-rificação do coração verá aquela face da qual foi dito: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5,8). Seja quem fez milagres ou quem não os fez no corpo de Cristo, alegre-se apenas com a face de Deus. Os apóstolos, ao voltarem da missão, disseram ao Senhor: “Senhor, até os demônios se nos submetem em teu nome!” O Senhor viu que os tentava a soberba devido ao poder de fazer milagres; e o médico que viera para curar nossos tumores, e aliviar nossas fraquezas, logo prosseguiu: “Não vos alegreis porque os espíritos se vos submetem; alegrai-vos, antes, porque vossos nomes estão inscritos nos céus” (Lc 10,17.20). Nem todos os bons cristãos exorcisam demônios; todos, contudo, têm seus nomes inscritos nos céus. O Senhor proíbe que se alegrem pelo que tinham de particular, e não pelo que possuíam com os demais, a salvação. Quis que os apóstolos se alegrassem com o que igualmente é causa de tua alegria. V. Caridade dê-me atenção. Nenhum fiel tem esperança, se seu nome não está inscrito no céu. Estão inscritos no céu os nomes de todos os fiéis que amam a Cristo, que andam humildemente por seu ca- minho, o que ele ensinou em sua humildade. Qualquer daqueles de menor valor na Igreja que acredita em Cristo e o ama, e ama a paz de Cristo, tem seu nome inscrito no céu; qualquer dos mais desprezados. E que semelhança existe entre estes e os apóstolos, que fizeram tantos milagres? No entanto, os apóstolos foram repreendidos por se alegrarem do bem peculiar que possuíam e foi-lhes preceituado que se alegrassem com o que faz a alegria daqueles que são desprezados. | |
§ 9 | 2 Não é sem razão, meus irmãos, que o salmista se exprime assim humildemente: “Senhor, meu coração não se exaltou, nem foram altivos os meus olhos. Não aspirei a grandezas, nem a maravilhas acima de minhas capacidades. Se não tive sentimentos humildes, mas exaltei a minha alma, como à criança desleitada, afastada do regaço materno, seja recompensada a minha alma”. Parece que lança sobre si uma maldição. Segundo diz outro salmo: “Senhor, meu Deus, se fiz tal coisa, se manchei as mãos com a iniqüidade, se paguei o mal com o mal aos que me retribuiram com o mal, sucumba, sem razão, por mãos de meus inimigos” (Sl 7,4.5) etc., parece que disse aqui: “Se não tive sentimentos humildes, ou exaltei a minha alma”. Seja, como se quisesse dizer: Aconteça-me isso e aquilo. Da mesma forma, naquele outro salmo: “Se paguei o mal com o mal aos que me retribuíram com o mal”, aconteça-me, o quê? “Sucumba, sem razão, por mãos de meus inimigos”; e também neste salmo: “Se não tive sentimentos humildes, mas exaltei a minha alma, como à criança desleitada, afastada do regaço materno, seja recompensada a minha alma”. Atenção! Sabeis que o Apóstolo diz a alguns fiéis fracos: “Dei-vos a beber leite, não alimento sólido, pois não o podíeis suportar. Mas nem mesmo agora podeis” (1 Cor 3,2). Há enfermos que são incapazes de ingerir alimento sólido; mas querem atingir o que não podem apreender; e se captarem um pou-quinho, ou pensarem que apreenderam o que não entenderam, exaltam-se e orgulham-se disso; julgam-se uns sá-bios. Isso aconteceu a todos os hereges; sendo animais e carnais, defendendo suas opiniões perversas, que não puderam considerar falsas, foram excluídos da Igreja católica. Direi a V. Caridade o que posso. Sabeis que nosso Senhor Jesus Cristo é o Verbo de Deus, segundo a palavra de S. João: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. No princípio, ele estava com Deus. Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito” (Jo 1,1.2.3). Ele é, portanto, o pão do qual vivem os anjos. Eis que te foi preparado pão; mas deves crescer por meio de leite para poderes comer pão. E como, perguntas, cresço nutrido de leite? Crê, em primeiro lugar, naquilo que Cristo se fez por ti, por causa de tua fraqueza, e agarra-o com força. Da mesma forma que a mãe, vendo que o filho ainda não é capaz de tomar alimento sólido, nutre-o com o que ela transformou em leite. A criança é alimentada com o pão que a mãe come; mas a criança não é capaz de assentar-se à mesa, mas é capaz de sugar o seio. O pão da mesa vem até ela pelo seio materno; de sorte que o mesmo alimento chega ao pequenino. Assim nosso Senhor Jesus Cristo, era o Verbo junto do Pai. Tudo foi feito por ele; sendo ele de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus (cf Fl 2,6). Os anjos, a seu modo o entendem, e assim no céu as Potestades e as Virtudes, os espíritos intelectuais se nutrem. O homem, porém, fraco, envolvido pela carne, jazia por terra, e não podia alcançar o pão celeste. Então, a fim de que o homem pudesse comer o pão dos anjos e o maná descesse do céu para um povo de Israel mais genuíno (cf Sl 77,25; Ex 16,14) “o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). | |
§ 10 | Por isso, o apóstolo Paulo, falando a fracos que ele denomina animais e carnais, (1 Cor 3,1), emprega esses termos: “Pois não quis saber outra coisa entre vós a não ser Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado” (1 Cor 2,2). Pois, Cristo existia antes de ser crucificado: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. E como o Verbo se fez carne” (Jo 1,1.14), o próprio Verbo foi crucificado, mas não se transformou em homem; no Verbo, o homem é que foi mudado. Transformou-se em melhor do que era, mas não se converteu na própria substância do Verbo. Pela natureza humana, Deus morreu; segundo a divina, o homem despertou, ressuscitou, subiu ao céu. Não se pode dizer que Deus não tenha padecido tudo o que o homem padeceu; porque era Deus e assumiu a natureza humana, sem se transformar nela; de igual modo não podes dizer que não foste injuriado, se tua veste for rasgada. E ao te queixares aos amigos ou em julgamento, assim falas ao juiz: Ele me dilacerou; não dizes: Rasgou meu manto e sim: Dilacerou-me. Se foi possível a tua veste ter a honra de denominar-se tu, embora não o seja, mas seja tua veste, quanto mais merece a carne de Cristo, templo do Verbo unido a ele, ouvir que sofreria o próprio Deus tudo o que a carne sofresse. O Verbo, contudo, não pôde morrer, nem corromper-se, nem mudar, nem ser morto; mas padeceu todas essas coisas em sua carne. Não te admires de que o Verbo nada tenha sofrido; nem a alma do homem pode sofrer algo quando se mata o corpo, conforme a palavra do próprio Senhor: “Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma” (Mt 10,28). Se a alma não pode ser morta, poderia ser morto o Verbo de Deus? Entretanto o que diz? Flagelou-me, esbofeteou-me, feriu-me, dilacerou-me. Tudo isso não é infligido à alma. Cristo diz, contudo: a mim, devido à unidade das duas partes. | |
§ 11 | Por conseguinte, nosso Senhor Jesus Cristo é pão, e se fez por nós leite; encarnou-se e apresentou-se como mortal, a fim de absorver a morte e para não errarmos acerca do Verbo, ao crermos na carne que o Verbo assumiu. Com isso cresçamos, nutridos desse leite; antes de sermos capazes de apreender o Verbo, não abandonemos a fé desse leite. Os hereges, contudo, buscando disputar acerca daquilo que não eram capazes de captar, disseram que o Filho é menor que o Pai, e o Espírito Santo é menor que o Filho; estabeleceram graus e introduziram na Igreja três deuses. Pois, não podem negar que o Pai é Deus, nem podem negar que o Filho é Deus, nem que o Espírito Santo é Deus. Ora, se o Pai é Deus, o Filho é Deus e o Espírito Santo é Deus, e são desiguais, e não têm a mesma substância, não há um só Deus, mas são três deuses. Discutindo, portanto, o que não conseguiram entender, exaltaram-se orgulhosamente; e fez-se neles o que diz este salmo: “Se não tive sentimentos humildes, mas exaltei a minha alma; como à criança desleitada afastada do regaço materno, seja recompensada a minha alma”. Mãe é a Igreja de Deus, da qual eles se separaram; deviam ser aleitados e nutridos ali, a fim de crescerem e poderem captar o Verbo, Deus junto de Deus, na condição divina igual ao Pai. | |
§ 12 | Outra opinião, outro modo de interpretar estas palavras tiveram os que as comentaram antes de nós, e não deixarei de transmiti-los à V. Caridade. Assim falaram: Todo soberbo desagrada a Deus e deve a alma humana se humilhar para não desagradar a Deus, e de todo coração considerar o que foi dito: “Quanto mais fores importante, tanto mais humilha-te para achares graça diante do Senhor” (Eclo 3,20). De outro lado, alguns, ao ouvirem que devem ser humildes, desistem, e não querem aprender coisa alguma, julgando que se aprenderem algo, serão soberbos; e ficam só com o leite. A Escritura os repreende, dizendo: “E precisais de leite, e não do alimento sólido” (Hb 5,12). Deus quer que nos alimentemos de leite, mas não que paremos nisso; mas crescendo por este meio, cheguemos ao alimento sólido. Por isso o homem não deve exaltar orgulhosamente o coração, mas deve elevá-lo pela doutrina da palavra de Deus. Pois, se a alma não devesse elevar-se, não se diria em outro salmo: “A ti, Senhor, elevei a minha alma” (Sl 24,1). E se a alma não se erguer acima de si mesma, não chegará à visão de Deus e ao conhecimento daquela substância imutável. Como agora ainda está na carne, ouve a palavra: “Onde está o teu Deus”? (Sl 41,4). Mas seu Deus está no interior, espiritualmente acha-se no interior, e espiritualmente é excelso; não por distância local, como há distância local para o que está em lugar mais alto. Pois, se é desta altitude que se trata, as aves nos superam no vôo para junto de Deus. Por conseguinte, Deus é excelso interior e espiritualmente; a alma não consegue atingi-lo se não ultrapassar a si mesma. É grande erro pensar de Deus como um ser corporal. É ainda muito infantil pensar a respeito de Deus segundo o modo de ser da alma humana, como se Deus se esquecesse, ou gostasse para desgostar-se em seguida, ou fizesse alguma coisa e depois se arrependesse. Tudo isso se encontra na Escritura acerca de Deus, em referência a nós, que ainda somos lactentes. Não tomemos estas expressões em sentido próprio, de sorte que entendamos que Deus se arrepende, que ora aprende o que não sabia, ora entende o que não entendia ou se lembra do que esquecera. Assim age a alma, não Deus. Se a alma, portanto não ultrapassar seu modo de agir, não verá que Deus é o que é, conforme disse: “Eu sou aquele que é” (Ex 3,14). Por isso, que respondeu aquele ao qual se perguntava: “Onde está o teu Deus?” “Minhas lágrimas noite e dia se tornaram o meu pão; quando se me diz cada dia: Onde está o teu Deus?”. Que fez para encontrar o seu Deus? “Meditei sobre essas coisas. Minha alma acima de si mesma se expandiu” (Sl 41,4.5). Expandiu sua alma acima de si mesma a fim de encontrar a Deus. Não é dessa maneira que te é dito: Sê humilde, ignora. Mas: Sê humilde em relação à soberba; eleva-te pela sabedoria. Escuta uma sentença clara a este respeito: “Quanto ao modo de julgar, não sejais como crianças; quanto à malícia, sim, sede crianças, mas quanto ao modo de julgar, sede adultos” (1 Cor 14,20). Está explicado, certamente, meus irmãos, como é que Deus nos quer humildes, e como exaltados. Humildes, acautelando-nos do orgulho; exaltados, para captarmos a sabedoria. Bebe leite, para te nutrires; alimenta-te para cresceres; cresce para comeres pão. Ao começares a comer o pão, serás desleitado, isto é, já não precisarás de leite, e sim de alimento sólido. Parece que é isso que disse o salmo: “Se não tive sentimentos humildes, mas exaltei a minha alma”, isto é, se fui criança, não no modo de julgar, mas quanto à malícia. Assinalando isto, disse antes: “Senhor, meu coração não se exaltou, nem foram altivos os meus olhos. Não aspirei a grandezas, nem a maravilhas acima de minhas capacidades”. Eis que fui criança, quanto à malícia. Mas como não fui criança quanto ao modo de julgar, “se não tive sentimentos humildes, mas exaltei a minha alma”, seja-me retribuído como à criancinha que é desleitada, de tal modo que já esteja capaz de comer pão. | |
§ 13 | Esta opinião é aceitável, irmãos, pois não é contrária à fé. Impressiona-me, contudo, porque não foi dito apenas: “Como à criança desleitada, seja recompensada a minha alma”, mas foi acrescentado: “Como à criança des-leitada, afastada do regaço materno, seja recompensada a minha alma”. Não vejo como seja uma maldição. A criança não é desleitada quando pequenina, mas já crescidinha. O ser fraco, ainda na primeira infância, na verdadeira infância, é sustentado pela mãe; se for-lhe retirado o leite, morre. Não é inútil o acréscimo: “afastado do regaço materno”. Todos podem ser desleitados, quando crescem. Se cresce e é desleitado, é bom para ele; mas para quem ainda está no regaço materno é pernicioso. Portanto, irmãos, é de se precaver e recear que alguém seja desleitado antes do tempo. Pois, todo menino crescido é desleitado. Mas ninguém seja desleitado quando ainda está no regaço materno. Quando ainda está nos braços da mãe aquele que foi carregado no seio materno (foi carregado no seio até nascer; é carregado nos braços para crescer), precisa de leite; ainda está no regaço materno. Não procure então exaltar a sua alma, quando ainda não é capaz de tomar alimento, mas cumpra o preceito da humildade. Tem como se exercitar: creia em Cristo, para poder entendê-lo. Não pode ver o Verbo, não pode aprender a igualdade do Verbo com o Pai, a igualdade do Espírito Santo relativamente ao Pai e ao Verbo; creia e sugue. Está seguro, porque tendo crescido, há de comer o que não conseguia fazer antes de sugar para crescer: tem aonde tender. “Não te ocupes com coisas misteriosas. Não te aflijas com aquilo que te ultrapassa”, isto é, com aquilo de que não és capaz. E que devo fazer, perguntas? Ficarei como estou? “Aplica-te àquilo que o Senhor te ordenou” (Eclo 3,22). Que te ordenou o Senhor? Pratica a misericórdia, não abandones a paz da Igreja, não deposites confiança num homem, não tentes a Deus desejando milagres. Se reconheces que algum fruto em ti existe, se toleras na companhia dos bons o joio até a messe (cf Mt 13,30), pois temporariamente podes achar-te entre os maus, mas não eternamente. Na eira a palha se encontra contigo neste tempo; mas não estará contigo no celeiro. “Aplica-te sempre àquilo que o Senhor te ordenou”. Não serás desleitado enquanto estiveres no regaço materno, para não morreres de fome, antes de poderes comer pão. Cresce; forticar-te-ás e verás o que não podias ver, entenderás o que não entendias. | |
§ 14 | E então? Quando eu vir o que não podia ver e entender o que não entendia, já estarei em segurança? Serei perfeito? Não enquanto viveres na terra. Nossa perfeição aqui é a humildade. Ouvistes há pouco a conclusão da leitura da carta do Apóstolo, se vos lembrais; como ele fora espancado para não se exaltar devido às revelações extraordinárias que recebera (quanta coisa lhe fora revelada!); por causa da grandeza das revelações, poderia se exaltar, se não fosse permitido a um anjo de Satanás que o esbofeteasse. Entretanto, como se exprime aquele que teve tantas revelações? “Irmãos, eu não julgo que eu mesmo o tenha alcançado”; para isso foi permitido a um anjo de Satanás que o esbofeteasse, a fim de não se exaltar por causa de suas extraordinárias revelações (cf 2Cor 12,7). Quem ousa afirmar que compreendeu? Eis que Paulo não julga tê-lo apreendido e diz: “Eu não julgo que eu mesmo o tenha alcançado”. Que dizes, Paulo? “Vou prosseguindo para ver se o alcanço”. Paulo ainda está à caminho e tu te julgas já na pátria? “Mas uma coisa faço: esquecendo-me do que fica para trás”. Faze o mesmo. Esquece-te de tua má vida no passado. Se a vaidade outrora te deleitava, não te deleite mais. “Esquecendo-me do que fica para trás e avançando para o que está diante, prossigo para o alvo, para o prêmio da vocação do alto, que vem de Deus em Cristo Jesus” (Fl 3,13.14). Escuto a voz de Deus que vem do alto e corro para alcançar. Ele não me deixa parar no caminho, porque não cessa de falar-me. Portanto, irmãos, Deus não cessa de falar-nos. Pois, se cessar, que podemos fazer? Que é que fazem as leituras divinas e os cânticos divinos? Esquecei, portanto, o que fica para trás, e avançai para o que está diante. Sugai o leite para crescerdes e tomardes alimento sólido. Ao chegardes à pátria, alegrar-vos-eis. Observai ainda o Apóstolo avançar para o prêmio da vocação do alto. Pois, ele diz: “Portanto, todos nós que somos perfeitos, tenhamos este sentimento” (Fl 3,15). Não falo a imperfeitos, aos quais não posso falar palavras de sabedoria, porque ainda bebem leite e não se nutrem de alimento sólido; mas falo àqueles, que já tomam alimento sólido. Parecem ser perfeitos, porque entendem a igualdade do Verbo com o Pai; ainda não vêem, como haveremos de ver, face a face, e sim parcialmente, em figura (1 Cor 13,12). Corram, portanto, porque ao terminar a caminhada, voltaremos à pátria. Corram, avancem. “Todos nós que somos perfeitos, tenhamos este sentimento, e se em alguma coisa pensais de modo diferente, Deus vos esclarecerá” (Fl 3,15). Se acaso aceitais algum erro, por que não voltais ao leite materno? Pois, se não vos exaltais, se não exaltais vosso coração, se não procurais maravilhas acima de vós, mas conservais a humildade, Deus vos revelará o erro em vosso pensamento. Se, porém, quereis defender o que opinais de modo diferente e pertinazmente sustentá-lo até contra a paz da Igreja, tornar-se-á para vós maldição o que o salmista disse; estando no regaço materno; se fordes separados, desleitados, expulsos das entranhas maternas, morrereis de fome. Se, ao invés, perseverardes na paz da Igreja católica, e pensardes algo de modo diferente do que convém pensar, a vós, humildes, Deus o revelará. Por quê? Porque Deus resiste aos soberbos, mas dá a graça aos humildes (cf Tg 4,6; Pd 5,5). | |
§ 15 | 3 Por isso, assim termina o salmo: “Espere Israel no Senhor, desde agora e pelos séculos”. Em grego, encontra-se: (apó tou nun kai héos tou aionos) foi traduzido: “desde agora e pelos séculos”. Mas nem sempre o nome de século se aplica a este século; algumas vezes refere-se à eternidade; quanto a eterno entende-se de dois modos: eterno, isto é, sempre sem fim ou até que cheguemos à eternidade. Como entender, então, aqui? Até que cheguemos à eternidade, esperemos no Senhor Deus; porque ao chegarmos à eternidade, já não haverá esperança, mas será a plena realidade. | |