ORAÇÃO ⁜ SALMO DA BÍBLIA № 114 | ||
§ 114:1 | Ꝙ Quando Israel saiu do Egito, e a casa de Jacó dentre um povo de língua estranha, | |
§ 114:2 | Ʝ Judá tornou-lhe o santuário, e Israel o seu domínio. | |
§ 114:3 | Ꝋ O mar viu isto, e fugiu; o Jordão tornou atrás. | |
§ 114:4 | Ꝋ Os montes saltaram como carneiros, e os outeiros como cordeiros do rebanho. | |
§ 114:5 | Ꝙ Que tens tu, ó mar, para fugires? e tu, ó Jordão, para tornares atrás? | |
§ 114:6 | ⱻ E vós, montes, que saltais como carneiros, e vós outeiros, como cordeiros do rebanho? | |
§ 114:7 | Ŧ Treme, ó terra, na presença do Senhor, na presença do Deus de Jacó, | |
§ 114:8 | ⱺ o qual converteu a rocha em lago de águas, a pederneira em manancial. | |
O SALMO 114 | ||
SERMÃO AO POVO 💬 | ||
§ 1 | 1 “Amo ao Senhor porque ele ouvirá a minha voz suplicante”. Assim cante a alma, peregrina longe do Senhor, cante a ovelha desgarrada, cante aquele filho que estava morto e tornou a viver, estava perdido e foi reencontrado (cf Lc 15,24), cante nossa alma, irmãos e filhos caríssimos. Aprendamos e permaneçamos, e cantemos estas palavras com os santos: “Amo ao Senhor porque ele ouviu a minha voz suplicante”. Por acaso, o motivo de amarmos será porque o Senhor “ouvirá a minha voz suplicante?” Não o amaríamos antes porque ouviu, ou amaríamos para que ouça? Por que então: “amo, porque ele ouvirá?” Ou será porque a esperança costuma inflamar o amor, que ele disse amar por esperar que Deus há de ouvir sua voz suplicante? | |
§ 2 | 2 Qual a base desta esperança? “Porque inclinou para mim o seu ouvido nos meus dias em que o invoquei”. Por conseguinte, amo, porque ele ouvirá; e ouvirá “porque inclinou para mim o seu ouvido”. Mas como hás de saber, ó alma humana, que Deus inclinou para ti seu ouvido, se não disseres: Creio? “Agora, portanto, permanecem fé, esperança, caridade, estas três coisas” (1 Cor 13,13). Creste e por isso esperaste; esperaste e por isto amaste. Se perguntares por que a alma acreditou que Deus inclinou para ela seu ouvido, não responderá: Porque ele nos amou primeiro, “não poupou o seu próprio Filho e o entregou por todos nós? (Rm 8,32). Pois, como poderiam invocar aquele em que não creram?” diz o Doutor das gentes. “E como poderiam crer naquele que não ouviram? E como poderiam ouvir sem pregador? E como podem pregar se não forem enviados?” (Rm 10.14.15). Se vejo tudo isso feito em meu favor, como não acreditar que o Senhor inclinou para mim o seu ouvido? De tal modo ele nos manifestou seu amor que Cristo morreu pelo ímpios (cf Rm 5,8). Ao me anunciarem estas coisas os pés graciosos dos mensageiros que anunciaram a paz, que proclamaram boas novas, porque “todo aquele que invocar o nome do Senhor, será salvo” (cf Is 52,7; Jl 3,5), acreditei que ele inclinou para mim seu ouvido, “nos meus dias em que o invoquei”. | |
§ 3 | 3 Quais são os teus dias, porque disseste: “nos meus dias em que o invoquei?” Porventura naqueles em que veio a plenitude dos tempos, quando Deus enviou o seu Filho (cf Gl 4,4), que já havia dito: “No tempo favorável, eu te ouvi”, “e no dia da salvação vim em teu auxílio”? Ouviste da boca do pregador de pés graciosos que veio a ti: “Eis agora o tempo favorável. Eis agora o dia da salvação” (Is 49,8; 2Cor 6,2). Acreditaste e invocaste nos teus dias: “Senhor, livra a minha alma”. Na verdade, são estes dias; mas devo antes denominar meus dias os dias de minha miséria, os dias de minha mortalidade, os dias segundo Adão, cheios de labor e de suor, os dias segundo a antiga podridão. Pois, acho-me prostrado, “num lamaçal profundo” (Sl 68,3) e exclamei em outro salmo: “Eis que reduziste os meus dias à velhice” (Sl 38,6), e nestes “meus dias eu o invoquei”. Distam, de fato, os meus dias dos dias de meu Senhor. Dou-lhes a denominação de meus dias, porque os fiz meus com a particular audácia que me levou a abandoná-lo. Uma vez que ele reina em toda parte, é onipotente e tudo domina, mereci o cárcere, isto é, as trevas da ignorância e os grilhões da mortalidade. “Nesses meus dias em que eu o invoquei”, porque eu também clamo em outro salmo: “Tira da prisão a minha alma” (141,8). E como no dia da salvação que me proporcionou ele me auxiliou, aceitou em sua presença os gemidos dos cativos. Nesses meus dias, “dores de morte me cercaram e perigos do inferno envolveram”. Se não estivesse desgarrado longe de ti não me alcançariam. Agora, porém, eles me encontraram, enquanto eu não os encontrava, porque me alegrava com a prosperidade mundana, na qual mais iludem os perigos do inferno. | |
§ 4 | 4.5 Mas depois também eu “encontrei a tribulação e a dor e invoquei o nome do Senhor”. Desconhecia a tribulação e a dor proveitosa; a tribulação durante a qual presta auxílio aquele ao qual o salmista declara: “Dá-nos auxílio na tribulação; nada vale o socorro humano” (Sl 59,13). Ora, eu pensava que devia alegrar-me e exultar diante da vã salvação que o homem proporciona; mas como ouvisse de meu Senhor: “Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados” (Mt 5,5), não esperei perder os bens temporais nos quais me deleitava perversamente, para depois chorar; mas considerei a minha própria infelicidade de me deleitar nessas coisas que receava perder e não conseguia reter; observei-a intensamente e com fortaleza, e vi que não apenas me atormentavam as adversidades deste mundo, mas também me prendia a prosperidade; e assim “encontrei a tribulação e a dor latente e invoquei o nome do senhor. Senhor, livra a minha alma. Infeliz de mim!” Quem me libertará deste corpo de morte? A graça de Deus, por Jesus Cristo Senhor nosso” (Rm 7,24). Diga, pois, o santo povo de Deus: “Encontrei a tribulação e a dor e invoquei o nome do Senhor”, e ouçam as demais nações que ainda não invocam o nome do Senhor; ouçam e procurem a fim de encontrarem a tribulação e a dor, e invocarem o nome do Senhor e se salvarem. Não lhes falamos assim a fim de procurarem a miséria que não sofrem, mas para descobrirem a que têm sem o saberem. Nem lhes desejamos que lhes falte na terra o necessário, do qual precisam enquanto estão nesta vida mortal, mas para que lastimem terem merecido, após a perda da sa-ciedade celeste, sofrer a falta dos bens necessários a sua subsistência e não gozar de bens estáveis. Reconheçam esta miséria e chorem-na. O Senhor não quis que eles fossem infelizes para sempre e os tornará felizes com este choro. | |
§ 5 | 5.6 “O Senhor é misericordioso e justo e nosso Deus se compadece”. Misericordioso, justo e se compadece. “Misericordioso”, em primeiro lugar, porque inclinou para mim seu ouvido; e não saberia que meu Deus aproximou seu ouvido de minha boca, se não fosse incitado por aqueles pés graciosos a invocar o Senhor; pois quem o invoca a não ser aquele que ele chama primeiro? Conseqüentemente ele é em primeiro “lugar misericordioso”. É justo, porém, porque castiga; e ainda “se compadece” porque acolhe; pois, castiga todo filho que acolhe (cf Hb 12,6) e não devo considerar amargo seu castigo e sim suave sua acolhida. Como não há de castigar o Senhor que guarda “os pequenos”, se procura-os, quando grandes, para herdeiros? Qual é, com efeito, o filho que o pai não educa? (cf Hb 12,7). “Fui humilhado e ele me salvou”. Salvou-me porque fui humilhado; a dor provocada pelo médico que opera não é penal, mas salutar. | |
§ 6 | 7.8 “Volta, minha alma, a teu repouso, porque o Senhor te fez bem”, não por teus méritos, ou por tuas forças, e sim “porque o Senhor te fez bem. Preservou-me a alma da morte”. É admirável, caríssimos irmãos, que tendo dito que devia sua alma voltar ao repouso, porque o Senhor lhe fez bem, prossegue: “Preservou-me a alma da morte”. Então voltaria ao repouso, porque foi preservada da morte? Não se costuma antes dizer que a morte é repouso? Qual, enfim, é sua ação, se a vida é repouso e a morte desassosego? A ação da alma deve ser tal que tenda a uma segurança tranqüila e não que aumente um trabalho inquieto, porque preservou-a da morte aquele que dela se compadeceu e disse: “Vinde a mim todos os que estais consados sob o peso do vosso fardo e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encon-trareis descanso para as vossas almas, pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11,30). Mansa, portanto, e humilde, como seguidora do caminho que é Cristo, deve ser a alma em ação que tende ao repouso, mas não preguiçosa e indolente, para que consuma a sua carreira, conforme está escrito: “Conduze teus negócios com doçura” (Eclo 3,17). Com efeito, para evitar que a mansidão levasse à preguiça, foi acrescentado: “Conduze teus negócios”. Não aconteça como nesta vida que o repouso do sono nos refaz para o trabalho, mas a ação boa leva a um repouso sempre vigilante. | |
§ 7 | Tudo isso nos concede, nos demonstra Deus, do qual diz o salmo: “Porque o Senhor me fez bem. Preservou-me a alma da morte, das lágrimas os olhos, da queda os pés”. Todo aquele que compreende o que significa o vínculo da carne, canta essas palavras para si mesmo, em esperança. Na verdade, foi dito: “Fui humilhado e ele me salvou”. Mas também é verdade o que disse o Apóstolo: “Pois fomos salvos em esperança” (Rm 8,24). Com razão, se declara já se ter realizado a morte da qual fomos preservados, de tal sorte que entendamos tratar-se da morte dos infiéis, conforme foi dito: “Deixa que os mortos enterrem os seus mortos” (Mt 8,22), e ainda a palavra do salmo anterior: “Não são os mortos que louvam o Senhor, nem os que baixam à região dos mortos. Mas nós que vivemos, bendizemos ao Senhor” (Sl 113,17). O fiel, pode, com razão, pensar que sua alma já está preservada de tal morte, pelo fato mesmo de ter passado de infiel a fiel; daí a palavra do próprio Salvador: Quem crê em mim, passa da morte à vida (cf Jo 5,24). O restante se realiza pela esperança naqueles que ainda não emigraram desta vida. Pois agora, enquanto ponderamos nossas perigosíssimas quedas, não cessam de correr as lágrimas de nossos olhos. Serão nossos olhos preservados das lágrimas quando nossos pés forem preservados das quedas. Não haverá queda alguma para os pés dos que caminham quando já não houver lugar escorregadio para a carne fraca. Agora, porém, embora seja firme nosso caminho que é Cristo, todavia estamos sujeitos à carne, que nos é ordenado domar. No próprio ato de a submeter e castigar, é grandioso não cair; mas quem pode nem ao menos escorregar? | |
§ 8 | 8.9 Por isso, uma vez que estamos na carne e nela não estamos (pois estamos na carne por aquele vínculo que ainda não se rompeu, porque “partir e ir estar com Cristo é muito melhor” (Fl 1,23) ; não estamos, porém, na carne porque entregamos as primícias do espírito a Deus, se é que podemos dizer que “nossa cidade está nos céus” (Fl 3,20) e percebemos que, quanto à Cabeça agradamos a Deus, mas os pés, as extremas partes da alma, ainda resvalam) escuta como se refere à esperança o que aqui se canta como já sendo realizado: “Preservou-me das lágrimas os olhos, da queda os pés”. Todavia, ainda não diz o salmista: Sou agradável, mas: “Serei agradável ao Senhor na região dos vivos”, demonstrando suficientemente que ainda não agrada ao Senhor por aquela parte que está na região dos mortos, isto é, na carne mortal. “Pois os que estão na carne não podem agradar a Deus”. Donde se conclui, e diz o mesmo Apóstolo: “Vós não estais na carne”, de acordo com o seguinte: “o corpo está morto, pelo pecado, mas o Espírito é vida pela justiça”; segundo este, agradavam ao Senhor, porque então não estavam na carne. Quem pode agradar ao Deus vivo, num corpo morto? Mas que diz o Apóstolo? “Se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em vós, aquele que ressuscitou Cristo Jesus dentre os mortos dará vida também a vossos corpos mortais, mediante o seu Espírito que habita em vós” (Rm 8,8-11). Então estaremos “na região dos vivos”, inteiramente agradáveis ao Senhor, e não de forma alguma peregrinos longe dele. “Enquanto habitamos neste corpo, estamos longe do Senhor, e na medida mesma em que peregrinamos, não nos achamos na região dos vivos. Sim, estamos cheios de confiança, e preferimos deixar a mansão deste corpo para ir morar junto do Senhor. Por isso também esforçamo-nos por agradar-lhe, quer permaneçamos em nossa mansão, quer a deixemos” (2 Cor 5,6-9). Esforçamo-nos, na verdade, agora, porque ainda suspiramos pela redenção do nosso corpo (cf Rm 8,23); mas quando a morte for absorvida pela vitória, e este ser corruptível tiver revestido a incorrup-tibilidade, e este ser mortal tiver revestido a imortalidade (1 Cor 5,54), então não haverá mais choro, porque não existirá queda alguma, e nenhuma queda porque não há nenhuma corrupção. E assim já nos esforçaremos por agradar-lhe, mas agradaremos inteiramente ao Senhor, na região dos vivos. | |